Depois de ler todas as análises e opiniões sobre a nacionalização da TAP, escritas por comentadores das várias áreas ideológicas, sinto que recolhi a informação essencial para poder afirmar à vontade que continuo sem saber se é uma boa decisão. É que não sei mesmo. Há óptimos argumentos de ambos os lados e eu concordo com todos. Infelizmente, se sei o suficiente de economia para os perceber, não sei o suficiente para escolher um deles.

Do que eu percebo é de argumentos justificativos para compras de meios de transporte. Sou até, digo-o sem modéstia, um especialista. Na qualidade de padrasto de dois adolescentes, sei identificar a determinação férrea que é usada quando me querem persuadir de que é mesmo, mesmo, mesmo necessário comprar uma prancha de surf. Ou uma prancha de skimming. Ou um skate, uns patins em linha e um hoverboard. Ou uma trotinete, uma bicicleta e um mata-velhos. Não sei como, a minha arrecadação parece o saco do Sport Billy. O Ministro Pedro Nuno Santos tem a mesma obstinação adolescente e não desiste. A diferença é que os miúdos querem uma prancha nova para impressionar os outros adolescentes peneirentos com quem se dão, enquanto Pedro Nuno Santos quer uma companhia aérea estatal para impressionar os marxistas-leninistas com quem se dá. Confere credibilidade. Às vezes, não tendo outra hipótese de se mostrar, um jovem com sangue na guelra sente necessidade de pagar por companhia.

Não é a primeira vez que PNS usa a comercialização de viaturas para fazer uma demonstração pública de virtude esquerdista. Há uns anos, vendeu o Porsche porque considerou que ficava mal a um socialista ter um carro de luxo. Agora, nacionaliza uma companhia aérea porque deve achar que é assim que um bom socialista se deve comportar. Pelos vistos, sempre que quer promover as suas credenciais de esquerda, Pedro Nuno Santos faz um negócio com veículos caros. Depois da TAP, ficou com pouco espaço de manobra. Da próxima vez que precisar de revigorar a sua fama socialista, o que é que faz? Só se comprar o Sputnik.

Apesar de transformar a TAP numa empresa pública, Pedro Nuno Santos já avisou que vai usar uma empresa de recrutamento para seleccionar a melhor equipa de gestão possível. Faz tanto sentido como a minha filha contratar o Chef Kiko para preparar o chá imaginário que ela serve às suas bonecas. É capaz de ser mal empregue, trazer um profissional competente, que domina as melhores ferramentas de gestão, para administrar uma empresa que em breve nem vai ter ferramentas para reparar aviões.

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Mesmo politicamente, Pedro Nuno Santos prepara-se para fazer batota ideológica. Nacionalizar a TAP e depois pagar balúrdios para a gerirem como uma empresa privada é o mesmo que anunciar que se vai tratar um cancro para a Venezuela, mas levar o oncologista daqui. E os aparelhos. E o gerador para alimentar os aparelhos. E a gasolina para alimentar o gerador. E a medicação. E as agulhas, a gaze, o mercurocromo e o resto do material médico. E uma maca.

Se insistir em gerir assim a TAP, Pedro Nuno Santos é capaz de perder o capital político que granjeou junto dos esquerdistas. O que se quer de um PNS é que diga estribilhos como, com ele como Ministro da tutela, os aviões da TAP não vão precisar da asa direita para voar. Estamos tão habituados à fanfarronice com que Pedro Nuno Santos fala, que o mínimo que esperamos é que a TAP substitua os seus aviões a jacto por aviões a jactância.

Em meados do século passado, antropólogos identificaram, nas ilhas do Pacífico Sul, um fenómeno a que chamaram “culto da carga”. Durante a Segunda Guerra Mundial, os exércitos japonês e americano usaram essas ilhas como bases. Os nativos habituaram-se a ver chegar aviões cheios de mantimentos, alguns dos quais acabavam por lhes ir parar às mãos. Com o fim da guerra, os militares partiram e os aviões deixaram de vir. Para os chamarem de volta, os nativos construíram pistas de aterragem no meio da selva, torres de controlo de bambu e auscultadores com cocos. Depois, imitavam os gestos que os militares faziam. Acreditavam que eram esses rituais que trariam os aviões de volta, com a sua carga. Daí “culto da carga”.

Pedro Nuno Santos crê numa superstição parecida. Acha que, se o Estado for dono de uma companhia aérea falida e a encher com dinheiro dos contribuintes, os aviões vão chegar e seremos todos felizes. É o culto da carga fiscal.