O governo fez três anos, e a primeira coisa que convém admitir é que ninguém esperava que fizesse três anos. No fim de 2011, quando os juros insistiam em subir; no Outono de 2012, depois da manifestação da TSU; em Julho de 2013, nas vésperas das demissões dos “ministros de Estado” – as apostas eram outras, como, a propósito do aniversário, lembrou o Observador. Quem queria passar por inteligente previu a saída do euro, ou pelo menos um segundo resgate. Os candidatos a sábios antecipavam convulsões gregas, davam a maioria absoluta ao PS ou viam já o PCP e o BE, juntos, a valer 30%. Nada foi assim. Não concluímos o programa de ajustamento, mas continuamos no euro, os juros descem, a recessão terminou, o desemprego recua. Nenhum dos profetas do apocalipse deu, entretanto, a mão à palmatória. O estado das oposições, porém, diz tudo sobre o seu descrédito: o PS em crise com as suas “vitórias pequeninas”, o BE em fase terminal, o PCP acantonado.

Quem fez a diferença? Do lado do país, quase toda a gente, a começar pelos contribuintes, dispostos a tudo para manterem as contas em euros; do lado das elites, como aqui notou Maria João Avillez, quase ninguém. É curioso, mas a oligarquia nunca acreditou no ajustamento. Os nossos oligarcas conceberam sempre a democracia como um regime mais distributivo do que representativo. Talvez por isso se tenham convencido de que ao primeiro corte sem a maquilhagem da inflação, o país os deitaria pela janela.

Não sabemos se Passos Coelho acreditou sempre, mas sabemos que nunca desistiu. Em Julho do ano passado, prometeu: não me vou embora. E não foi. É verdade: sem o Presidente da República ou sem Mario Draghi ou até sem uma sociedade que pagou impostos, exportou e poupou, de pouco teria valido a sua determinação. Mas com um primeiro-ministro hesitante e instável, nem Cavaco Silva nem o presidente do Banco Central Europeu nem as exportações teriam chegado. Não temos a obrigação de esperar pela história para reconhecer que Passos Coelho fez diferença.

Posto isto, pode parecer que a melhor maneira de avaliar o governo de Passos Coelho, não é pelo que aconteceu, mas pelo que não aconteceu. Mas há mais que não aconteceu. O governo conseguiu a saída limpa, mas teve, pouco depois, o seu pior resultado eleitoral de sempre. Passos aguentou, mas a coligação quase não aguentou em Julho de 2013. O governo impediu que caíssemos, mas não nos afastou da beira do precipício. A opressão fiscal subiu a níveis que comprometem a iniciativa e o trabalho. A coligação governamental ainda dura, mas não conhecemos o seu prazo de validade. O PS recusa compromissos reformistas, e o Tribunal Constitucional impõe a via fiscal. A incerteza é, assim, quase tão grande como no princípio do ajustamento.

Não, esta não é uma daqueles questões de comunicação a que José Sócrates gostava de reduzir a governação. É uma questão política. Perante o PS, perante o Tribunal Constitucional, o governo lembrou obrigações externas e urgências financeiras, mas evitou tratar a situação em termos de opções fundamentais: mais reformas ou mais impostos? Só teve a “ideologia” que a oposição lhe emprestou, nunca a que ele próprio deveria ter assumido e explicitado. Admito que tudo isso possa ter feito sentido. Talvez que, no auge da emergência, não tivesse sido prudente suscitar expectativas ou abrir novas guerras. Mas agora, é ao governo que cabe provar que pode ser mais alguma coisa do que um intervalo de faxina entre dois governos socialistas. Só Passos Coelho pode fazer justiça a Passos Coelho.

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