Há que começar pela campanha de ódio que tentaram montar contra Nuno Palma, um dos nossos melhores historiadores da economia. Desta vez, não se deveu apenas aos suspeitos do costume. Dirigentes do PS, como o ex-ministro Pedro Marques, apareceram à frente da perseguição, tão assanhados como a extrema-esquerda. O que provou uma coisa: é que Nuno Palma tem razão. Na convenção do MEL, Nuno Palma notou que o crescimento económico e a convergência de Portugal com a Europa foram maiores sob o Estado Novo. Está certo, como os seus estudos e os de outros historiadores e economistas demonstram. Mas o seu argumento não era esse, mas este: o actual poder político está empenhado em ocultar esse facto.

Porque têm os oligarcas socialistas tanto pavor da história? Dar-se-ia o caso de pensarem que o sucesso do salazarismo na convergência económica e social com a Europa poderia justificar a ditadura e, por contraste, deprimir a democracia? Mas não é a democracia definida acima de tudo pelas liberdades cívicas e pelo império da lei? Não basta para garantir a superioridade do regime democrático? Sim, Nuno Palma tem mesmo razão. Do Estado Novo, dizia-se que dissuadia o estudo histórico dos regimes anteriores, por receio da memória das liberdades. Ao poder socialista também não convém a história, não porque ponha em causa a democracia, mas por medo que suscite memórias de crescimento e de convergência num tempo em que o domínio do PS condenou o país ao declínio e à divergência. Por isso, precisa de mentir. Não só sobre a história, mas também sobre o modo como Nuno Palma se referiu à ditadura salazarista.

Nuno Palma declarou o Estado Novo um regime “indefensável”. Não era possível ser mais claro. Nuno Palma não quer viver em ditadura, nem acha que ditaduras como a salazarista sejam solução. Mas foi isso que Pedro Marques, Ana Catarina Mendes, e os seus acólitos de extrema-esquerda disseram que ele tinha dito. A desonestidade era tão evidente que alguns, mais cínicos, nem hesitaram em abrir o jogo. Não importava o que Palma disse: uma pessoa que era aplaudida numa reunião das direitas, só podia ser “fascista”. Nada disto é novo. Uma parte importante da esquerda portuguesa nunca se conformou com o pluralismo político. Para essa esquerda, só há direita em Portugal, não porque haja liberais ou conservadores como noutros países, mas porque há “saudosistas do Estado Novo”. Não fosse isso, toda a gente seria socialista. O pluralismo não é portanto uma dimensão inerente da democracia, mas uma ameaça.

No começo do actual regime, a tentação de erradicar qualquer direita era tão intensa que o historiador António José Saraiva, em artigo no jornal República em 1974, teve de lembrar aos seus correligionários o que devia ser óbvio: se o novo regime tentasse eliminar as opiniões e os partidos considerados de direita nunca poderia ser uma democracia, porque só através de uma nova ditadura seria possível fazer de Portugal um país em que não houvesse outras opiniões e outros partidos que não os da esquerda. De facto, não era a direita que estava em causa, mas o modelo ocidental de democracia. Em 1975, as direitas portuguesas lutaram por esse tipo de democracia. Mário Soares reconheceu-o então e nos anos seguintes, governando com o CDS e o PSD. Mas a esquerda comunista e uma parte do PS, marxista ou jacobina, nunca aceitaram a direita, precisamente porque nunca se conformaram com a ideia de uma democracia ocidental, pluralista e com alternância no poder.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Passaram 47 anos desde que António José Saraiva tentou ensinar democracia à esquerda. A esse respeito, as coisas já estiveram melhor. Estão agora pior. Por duas razões. Primeiro, porque a geringonça deu uma nova influência às correntes jacobinas e comunistas. Segundo, porque mesmo aquela esquerda que em tempos viu o jacobinismo e o comunismo com desgosto e repúdio parece agora tentada, para defender o seu poder, a adoptar o ponto de vista dos intolerantes e a fazer deles, como o PS já fez no parlamento, a sua guarda pretoriana. O empenho de dirigentes do PS na perseguição a Nuno Palma é um sinal. Portugal, tolhido pelo fisco e pela defesa estatal das corporações e dos grupos de interesse, está numa trajectória de declínio. O atraso e a mediocridade sentir-se-ão cada vez mais num país dependente das ajudas europeias e da monocultura do turismo. Como defender o poder socialista, perante tantos fracassos desde 1995, a não ser recorrendo a fantasmas e terrores? Todos os críticos do situacionismo serão chamados “salazaristas”. A todas as oposições será assacado o projecto de “restaurar o Estado Novo”. Já vimos isso com a nomeação do comissário socialista das comemorações do 25 de Abril: quem estranhou a apropriação partidária da efeméride foi logo denunciado como “fascista”. A partir de agora, será isto: a “democracia” é o PS, e quem não aceita a hegemonia do PS é porque tem “problemas com a democracia”. O medo e a intolerância são as últimas armas que a decadência do país deixará ao poder socialista. Haverá cada vez mais “fascistas” em Portugal. Quem quiser escapar ao ferrete terá apenas duas saídas: ou o silêncio, ou a submissão incondicional ao poder socialista.

É sempre assim, quando o poder tenta sobreviver num país em queda. Na Rússia, também Vladimir Putin trata por “fascistas” todos os seus adversários e manda os tribunais, como a extrema-esquerda gostaria de fazer por cá, proibir organizações “extremistas”, isto é, aquelas que lhe fazem oposição. Em Portugal, o estrebuchar do poder socialista, num país que privou de todas as oportunidades, pode resultar apenas em mais polarização e discórdia. Mas convém não acreditar que teremos sempre sorte. Contra Rui Rio, António Costa já diz que “normalizou o Chega”. Que dirá contra um líder da oposição que o ameace nas sondagens? E que fará? A colaboração “burocrática” da Câmara Municipal socialista de Lisboa com a ditadura de Putin sugere pelo menos que há coisas que já não repugnam naturalmente ao poder socialista. Temos de estar preparados para tudo.

Os oligarcas querem que nos assustemos muito com um deputado solitário. Mas riem quando alguém se inquieta com o que pode fazer ao direito e à liberdade um partido que capturou o Estado e que, com Sócrates, já mostrou que é capaz do pior. Não estejam preocupados só com a Hungria. Lisboa já esteve mais longe de Moscovo.