O que se está a passar nos EUA é um movimento legítimo – sobre isso não podem restar dúvidas. Mas é imperativo saber separar a intenção inicial das manifestações e os acontecimentos dos últimos dias. George Floyd foi barbaramente assassinado. Não há dúvidas. Deve ser iniciada uma mudança social e política nos EUA que vise uma maior igualdade racial? Mais uma vez, ninguém pode ter dúvidas sobre isso.
É justo afirmar que está em vigor algo idêntico a uma “revolução”. Os EUA falharam enquanto Estado, quando deixaram de providenciar a segurança a todos os seus cidadãos. Mas será que isto legitima a revolução e, por isso, legitima o uso da força? Em primeiro lugar é preciso tentar perceber se o caso do assassinato de George Floyd justifica uma revolução e se dentro da revolução é este o caminho. Uma revolução espera, através do caos, tentar que o Estado, figura máxima do poder político, seja obrigado a reescrever a ordem social. Mas estará esta “revolução” a atacar o poder central, opressivo e racista ou será que se deixou levar pelo caos criado, limitando-se atacar e destruir sem qualquer critério?
Os EUA têm – infelizmente – um passado e um presente extremamente racista. Ainda assim, não me parece que este seja o caminho. Porquê?
Vamos por pontos:
1 “Não há maneiras perfeitas de protestar. Mas sim uma urgência de o fazer”. Qual é o limite desta afirmação? Até onde é que pode ir a imperfeição do protesto? Isto é a pergunta que os moderados fazem aos próprios. Esse limite, parece-me a mim, impossível de delinear – mas é aí que entra o senso-comum. Em cada um nós (moderados), deve prevalecer o tal senso comum, que nos permita ver para além dos extremos. Na urgência de protestar há espaço para ataques a lojas perfeitamente comuns? Ou para a agressão gratuita? Isto é: dezenas de pequenos negócios foram incendiados e destruídos nos últimos 5 dias. Isto significa, como tem sido dito, que a propriedade privada interessa mais? Não, a propriedade privada não interessa mais do que a vida humana. Mas vejamos uma coisa: destruindo-se negócios particulares – que pouco ajuda à da causa da opressão policial – irá contribuir para a degradação de muitos pequenos empresários que viram os seus estabelecimentos sugados por manifestantes-delinquentes. Os moderados não estão mais preocupados com a propriedade privada. Estão preocupados sim, com as consequências que a sua destruição maldosa, irá ter na vida dos seus proprietários. Poderá ser isto um limite do bom senso? Parece-me suficiente.
2 “All lives can’t matter until a black lives matter”. Aqui o problema torna-se mais complexo, porque a afirmação tem bastante fundamento. Mas surge a verdadeira questão (novamente): qual o limite para impor esta realidade? Aqui, acredito eu, que os motivos desta manifestação fossem isso mesmo: a elevação da vida negra à dignidade que merece. Acontece que durante os motins, um polícia foi morto. Desta vez, o polícia era negro. Agora pergunto-me: perante este cenário, as motivações das manifestações deviam ser desviadas para a morte de mais um negro, ou neste caso a afirmação “All lives cant matter until a black lives matter” já não faz sentido? Com esta morte, e como resultado da total indiferença que causou aos manifestantes e à opinião pública, percebe-se (aos poucos) os verdadeiros motivos de alguns protestantes – que não são de motivação racial.
3 “Os protestos têm a intenção de parar a brutalidade policial contra negros”. Uma frase que faz sentido, em todo o mundo, mas que peca por um erro de análise. A frase deveria ser: os protestos têm a intenção de parar a brutalidade policial. Porquê? A partir do momento em que se conduz uma manifestação, exclusivamente contra a brutalidade policial contra negros, acaba-se por cair numa discriminação contra as restantes raças, que, por sua vez, leva à elevação de uma única raça – a negra. Desde 2017, o número de pessoas brancas que morreram “nas mãos da polícia” foi de 1268. Por outro lado, morreram 698 pessoas de raça negra desde 2017. Conclui-se que a afirmação inicial — os protestos têm a intenção de parar a brutalidade policial contra negros – é, não só tendenciosa, mas discriminatória com as restantes raças e etnias.
Com estes três pontos, o que se pretende demonstrar, é que os motins em curso nada têm de encorajador. O racismo existe e deve ser combatido, mas não desta maneira. A “ordem pública”, num país civilizado – e com todos os problemas que os EUA têm, continua a ser um país civilizado – não pode ser imposta através de grupos anárquicos que apenas desejam o caos da civilização. Não há diferença absolutamente nenhuma entre os três polícias que assassinaram George Floyd ou entre aqueles que assassinaram um polícia. Não há diferença quando se ateia fogo a trabalhos de uma vida, a negócios que sustentam famílias, ou a carros que são o único meio de levar crianças a uma escola. Tudo isto são crimes repugnantes. Os atacantes, sejam policias ou terroristas, quando se encontram em maioria, munidos pela farda ou pelo grupo, não merecem o consentimento de pessoas moderadas e esclarecidas.
Se a raça não faz de alguém criminoso, a farda também não. Não pode existir indignação de primeira, nem morte de segunda.