Ninguém espera este homem em casa? – perguntava-me ao ver a patética errância de Marcelo Rebelo de Sousa entre o palácio de Belém, o restaurante e a geladaria.

Marcelo não tem fiéis, não tem partido, não tem uma corte, não tem uma tribo. Nem sequer uma casa com uma família a que voltar à noite e também por isso se entretém nos momentos difíceis a dar voltas, qual adolescente, para se fazer encontrado.

A imensa solidão daquele que é o político mais popular de Portugal tornou-se palpável nestes dias de crise. De repente todos aqueles cenários que Marcelo, por artes quase mágicas, fazia e refazia diante dos jornalistas foram desfeitos por António Costa.

Em primeiro lugar António Costa passou a controlar a agenda: ao contrário do que Marcelo sugeria, as dúvidas sobre a continuidade de João Galamba no Governo não se iam arrastar por vários dias. Em segundo, e muito mais importante, o primeiro-ministro acabou com um dos dogmas sobre o poder em Portugal: a chamada magistratura de influência do presidente da República não existe, ou melhor dizendo, existe apenas quando o Governo a aceitar. Para António Costa, os poderes do presidente são os que estão escritos e não subentendidos.

Sim, é verdade que Marcelo não tem poder para impor mudanças no executivo mas Soares, Sampaio e Cavaco Silva, que tinham os mesmos poderes, impuseram-nas. O que aconteceu então? Depois de, em 2015, ter mostrado que um partido que não ganhara as eleições podia formar governo, António Costa, em Maio de 2023, colocou na gaveta o que pomposamente designávamos como magistratura de influência do Presidente.

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Como foi isto possível? Foi possível porque Marcelo o tornou possível, quase inevitável, ao ter banalizado a palavra presidencial, ao ser incapaz de usar o silêncio e a discrição e ao resumir o exercício dos seus poderes à explanação pública sobre a possibilidade de dissolver o parlamento. Não havia semana em que, qual criança traquinas diante dum castelo de cartas, Marcelo não viesse lembrar que tinha o poder de deitar tudo abaixo. Ora ninguém deve ameaçar com algo que tem medo de usar mas foi isso que Marcelo fez repetida e crescentemente.

É público e notório que Marcelo receia convocar eleições agora, seja pelo provável crescimento do Chega, seja porque o eleitorado pode dar nova vitória ao PS. Ou talvez por ambas as coisas, numa espécie de sequela das eleições antecipadas de 2022 (as mesmas que Marcelo precipitou ao anunciar que caso o Orçamento fosse chumbado dissolveria o parlamento).

António Costa obviamente usou este receio do presidente para o neutralizar. Num ápice fez do improvável João Galamba um ministro imprescindível e colocou o presidente diante dum dilema-armadilha: ou aceita ser desautorizado pelo primeiro-ministro ou dissolve o parlamento.

Já sabemos que Marcelo optou pela primeira hipótese, deixando avisos sobre uma maior vigilância sobre o Governo, coisa que em si mesma é uma confissão patética sobre o que não tem feito.

E agora? Creio que o passo seguinte de António Costa será continuar a táctica de ultrapassar Marcelo Rebelo de Sousa. Por isso, e também como contraponto ao desgaste da comissão parlamentar de inquérito à TAP, pode optar por fazer uma remodelação governamental em que, para descanso do PS, se desembaraçará de João Galamba.

Quanto a Marcelo, pode cavalgar algumas revelações que venham a ser feitas na comissão parlamentar de inquérito à TAP, ou mais algum caso dos muitos em que o Governo tem sido pródigo. Ou esperar pelas eleições europeias. Ou pelas sondagens.… Para então dissolver o parlamento. Ou fazer mais uma tonitruante declaração que promete outra ainda mais forte.

Mas deixemo-nos de cenários de Marcelo a fazer de Soares ou de Eanes. Não só ninguém consegue ser quem não é, muito menos um Presidente da República, como, facto a ter conta nessas actuações, Marcelo tem popularidade mas não tem capital político. Não existem marcelistas. Existem soaristas, salazaristas, cavaquistas, passistas e, quem sabe, até existe ainda algum sidonista vivo, mas não existe um marcelista. Marcelo é o homem mais só de Portugal.