Marcelo tropeçou na rua árabe (e não só) e o Governo agradeceu. Nestes dias é um quebra-cabeças saber para que urgências se devem dirigir os pais com crianças doentes, para que blocos de partos devem seguir as grávidas, quantos doentes graves serão mandados para trás (e não, nos outros países, com que outrora nos comparávamos, também há falta de médicos e demais pessoal na área da saúde, mas não se assiste a nada disto) mas surpreendentemente o problema do país é o Presidente da República. Algum dia havia de acontecer, não é?

Marcelo tropeçou politicamente no Bazar Diplomático e o Governo agradeceu. E depois voltou a agradecer-lhe a trapalhada monumental em torno do papel que alegadamente terá tido na facilitação do acesso de duas gémeas brasileiras a um tratamento avaliado em quatro milhões de euros no Hospital Santa Maria. Que jeito dá este Marcelo a colocar-se a si mesmo no olho do furacão e a desviar as atenções não apenas do SNS que se desfaz, mas também do faz de conta que se instalou na Educação, das contradições do primeiro-ministro sobre a TAP, do negócio da EFACEC…

Teria de ser assim? Não, mas conhecendo Marcelo há que reconhecer que havia uma forte probabilidade de ser assim. Marcelo acreditou que a sua popularidade o tornava imune às pressões dos partidos e acabou destratado por António Costa.

Confundiu proximidade com ligeireza e acabou a manter, para mais rodeado de microfones, um diálogo com o representante da Autoridade Palestiniana que o mais elementar bom senso reservaria para uma audiência à porta fechada. Depois disse e desdisse.

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Nada disto é novo em Marcelo só que agora é visto doutra forma. Os afectos estão a dar lugar ao embaraço. O que tinha graça começa a cair em desgraça. Onde estava o Presidente imbatível agora está um homem que muitos descobriram mais velho.

Quando este Domingo a manifestação dita a favor da Palestina fizer ouvir os seus slogans em Belém e perante os microfones manifestantes vários verbalizarem a sua indignação com o presidente da República, há quem tenha motivos para sorrir: António Costa.

A rua árabe está aqui. Durante anos a expressão “rua árabe” foi sinónimo de multidões coléricas que numas paragens remotas verbalizavam a sua fúria perante os mais variados factos. Podia ser um livro que nunca leram ou umas caricaturas de um jornal dinamarquês que nem sabiam que existia mas que uma vez classificados como blasfemos logo arrastavam multidões para a dita rua árabe que, valha a verdade, muito frequentemente de rua tinha pouco mais que pó. A morte era o castigo invariavelmente pedido por esses manifestantes para quem acusavam de os ter ofendido. O ódio ao ocidente e a Israel eram o denominador comum a muito desses momentos de ira.

Mas depois deste 7 de Outubro olhamos à nossa volta e percebemos que a rua árabe está aqui, está nas ruas de Londres, Berlim, Paris ou Barcelona. Agora já não são homens tisnados pelo sol que em cenários mais ou menos desolados exigem a morte dos infiéis. Agora a rua árabe está nas cidades da Europa. Muitos daqueles que a compõem são imigrantes ou os seus filhos e netos. E muitos são europeus de sempre. Esta rua árabe que desfila sob o perfil gótico das velhas catedrais define-se não tanto pela origem de quem a compõe mas sim pela táctica com que se impôs e impõe: tirar o maior partido das liberdades ocidentais para as destruir.

Num dia invocam os direitos das mulheres para impor a burka. No outro o direito a não ser ofendido para levar à suspensão de um espectáculo. No outro que a religião é o ópio do povo mas se os fiéis gritarem “Allahu Akbar” então estamos perante um inquestionável traço identitário. O grau de impunidade de quem canta nos transportes públicos de Paris “Nique les juifs et les grand-méres/On est des nazis e fiers” (a tradução é a que se imagina!) e em Londres “From the river to the sea”, que implica o fim do estado de Israel, só foi possível porque tudo isto se foi banalizando e quase institucionalizando graças ao que se designa como islamo-esquerdismo.

Não há contradição alguma entre viver em França, ser influencer  e perguntar, como fez uma modelo a propósito do bebé israelita que foi queimado num forno: “Será que lhe puseram sal e pimenta?” A contradição só existiria se a pessoa em causa não se achasse acima das leis do país onde vive.

Os imigrantes, com particular incidência nos muçulmanos, tornaram-se aos olhos desta esquerda radical no novo proletariado (o velho proletariado esse mudou-se para a extrema-direita). Todos os conceitos e princípios invocados para tornarem as sociedades mais justas acabaram a ser invertidos gerando precisamente o contrário do que se pretendia: o combate ao racismo tem servido para impor racismos vários; a laicidade tornou-se uma perseguição ao cristianismo… Como vão as sociedades ocidentais lidar com a sua rua árabe? Não sei mas sei que se, aquando da invasão da Ucrânia, existisse nos diversos países da UE uma “rua russa”, avançar para um apoio à Ucrânia teria sido muito mais difícil. Pelo contrário a rua árabe está aí e com grande adesão pois no vazio do mundo woke a rua árabe tornou-se o  totem magnético para a  tribo em que o poster do Che deu lugar ao cartaz pela Palestina.