Temos de pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, segundo a agência Reuters, num jantar com a imprensa estrangeira.

A 27 de Abril voltou ao assunto: “Marcelo insiste em “reparação” às ex-colónias. “Não podemos meter isto para baixo do tapete. Temos obrigação de liderar”

O embaraço perante as palavras do Presidente da República é enorme, a começar pelo óbvio: uma iniciativa desta natureza de modo algum pode ser uma iniciativa presidencial. Porquê então este frenesi presidencial?

Há quem defenda que Marcelo está a ser como sempre foi; que agora que cortou relações com o filho está ainda mais só; que não come nem bebe como devia; que se está a divertir; que, para usar uma expressão que o celebrizou, está “lelé da cuca”… Talvez esteja tudo isso. Ou talvez não.

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O que me parece indiscutível é, que acossado pelo caso das gémeas, assustado com o crescimento do Chega e com as críticas do PS ao papel que desempenhou na demissão de Costa e desconcertado pela forma como Montenegro lida com ele ao não alimentar o jogo marceliniano das fontes de Belém, Marcelo resolveu criar um facto. Sim, noutros tempos Marcelo teria saído de Belém à procura de eléctricos descarrilados ou de pessoas sem-abrigo para logo repetir a exigência que fizera no ano anterior e no anterior ao anterior de que se pusesse fim a tal flagelo. Ou teria ido para a praia mudar de calções. Mas agora, neste penoso final de último mandato, nada disso já é suficiente.

Portanto Marcelo vai criar um cenário que baralhe tudo e todos e sobretudo o preserve a ele. A esquerda que não lhe perdoa as eleições de Março de 2024 vai ter dificuldade em desligar-se destas propostas presidenciais. O Governo será acusado de colonialismo pela esquerda e de fraqueza pelo Chega, que obviamente capitalizará mais ainda. E ele Marcelo acredita que vai ficar a pairar sobre a polémica.

Mais uma vez agiu com a absoluta irresponsabilidade de quem não se interroga sobre as consequẽncias das suas palavras. Por exemplo, este literal ajuste de contas vai de quando a quando? Vamos, por exemplo, indemnizar os descendentes das famílias judias cujos filhos foram mandados de Lisboa para São Tomé no século XV, ou somos apenas responsáveis pelos escravos que comprávamos nas costas africanas aos comerciantes árabes que por sua vez os compravam a reis aficanos? E as reparações da escravatura entre africanos vão ser assumidas por quem? Terão direito a reparações os descendentes dos escravos traficados pela rainha Njinga ou da serva que usou como cadeira enquanto negociava com o governador português João Correia de Sousa? Inclui o conceito de reparação também os chamados retornados? Por exemplo, quem lhes pagará a eles o que deixaram em África? Portugal? Os estados nascidos nas colónias que deixaram? Ou, o que será certamente mais fácil porque se resolve dentro de portas, vai o estado português finalmente pagar os depósitos em dinheiro que milhares de portugueses fizeram nos bancos portugueses que operavam nas colónias e que acreditavam poder levantar quando chegassem a Lisboa? Estas são apenas algumas das muitas questões suscitadas pelas recentes declarações de Marcelo. Isto se nem ponderarmos o absurdo de que esses novos estados que o Presidente pretende que indemnizemos pelo nosso passado colonial são eles mesmos um resultado desse colonialismo. Os estados de Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde… não foram colonizados por Portugal pela prosaica razão de que não existiam nesses termos. Portanto vamos indemnizar pelo nosso passado colonial quem resultou desse mesmo passado?

Como todos aqueles que falharam no presente e desistiram do futuro, Marcelo acantona-se no passado para daí, desse lugar que é História, fazer política. O resultado desse tipo de táctica pode facilmente resvalar da comédia para a tragédia. O que em certa medida é também o resumo dos anos de Marcelo Rebelo se Sousa como Presidente da República: uma comédia que se transformou numa tragédia.