1. Tal como José Manuel Fernandes, também estou a quebrar uma promessa que tinha feito: não escrever sobre Mário Soares. Mas vi hoje ao fim do dia as imagens da visita que fez a Sócrates e fiquei impressionado. O que me impressionou não foram as suas declarações – nada surpreendentes, de resto. Fiquei espantado com as imagens. Vi um senhor de idade, cansado e confuso a ser assaltado pelos jornalistas. Como foi possível que aquilo acontecesse? Não há alguém que proteja, que preserve Mário Soares? Tem todo o direito em visitar Sócrates, mas não podem permitir que se exponha daquela maneira. Mais do que uma vez, julguei que pudesse ter um ataque em direto na televisão. E não houve um único jornalista que fosse capaz de dizer simplesmente, “Dr. Mário Soares, o senhor está esgotado. Deixe-me acompanhá-lo ao carro.” E acabasse com aquele espetáculo lamentável. As imagens de Évora são mais impressionantes do que a prisão de Sócrates no aeroporto.
Quanto às declarações de Soares, será que alguém esperava alguma coisa diferente? Tal como disse Helena Matos em relação a Sócrates, a culpa é nossa. Portugal permitiu que Mário Soares se julgasse imune a todo o tipo de declarações. Desde que saiu de Belém, tem dito e feito o que quer, e a reação generalizada – sobretudo dos seus apoiantes – tem sido, “é o Dr. Mário Soares…”. Discordam na maioria das vezes, mas nada fazem para contrariar. Esta atitude diz muito sobre a nossa cultura política. 40 anos depois do 25 de Abril, continuamos a ser um país com dois pesos e duas medidas, onde quem tem poder se julga, e é tratado como se estivesse acima dos critérios de julgamento – políticos, éticos e, pelos vistos, legais – que se aplicam ao comum dos mortais. Os suspeitos do caso dos “Vistos Dourados” foram presos na semana passada. Alguém se indignou na altura com as imagens na televisão, ou com as horas de interrogatório (ou de espera), ou com as prisões preventivas? Ninguém. Pelo contrário, quase todos elogiaram a justiça. Uma semana depois, muitos dos que estiveram ao lado das autoridades judiciais, passaram a atacar a justiça. É triste e preocupante, mas muitos portugueses continuam a subordinar-se ao poder e aos poderosos. Mesmo quando são eles as maiores vítimas de quem abusou do poder.
No fundo, Soares apenas esperava que Portugal tratasse Sócrates com a mesma impunidade que o trata a ele. É absolutamente natural. Como isso não aconteceu, Soares acha que Sócrates foi “vítima” de um “poder de extrema-direita”. Foi assim mostrar a sua “solidariedade” a uma “camarada”. No fundo, Soares voltou aos dias das visitas aos presos políticos. Admiram-se? Não deviam. Foi o regime que criámos.
2. Li no aqui Observador que Sócrates pode ficar em prisão preventiva até três anos. É inaceitável que se possa ficar preso tanto tempo sem uma condenação. E isto aplica-se a todos. A liberdade é um valor demasiado precioso para ser tratado desta maneira. Em segundo lugar, e corro o risco de ser acusado de defender um tratamento especial a quem ocupou o poder, mas o país não aguentaria ver um antigo PM na prisão durante anos sem ser condenado ou absolvido. Seria muito perigoso politicamente. Desejo que as autoridades judicias entendam isso e sejam rápidas a concluir o processo. O país precisa de saber rapidamente se Sócrates é inocente ou se cometeu crimes como PM.