A fórmula usada pelos partidos à esquerda do PSD, para criticar o discurso de Luís Montenegro no encerramento do Congresso, fazem lembrar a história do Menino e do Lobo. Estamos sempre a ouvir que vem aí o Lobo da extrema-direita. Se algum dia o Lobo chegar mesmo, corremos o risco sério de ninguém estar já disponível para ouvir, expondo-nos, aí sim, a esse perigo. Exigia-se, pelo menos do PS, uma avaliação critica um pouco mais sofisticada.

Não se sabendo ainda o que vai acontecer ao curriculum de Cidadania, e mesmo considerando que o ministro da Educação Fernando Alexandre tem provas dadas de sensatez e de não conservadorismo bacoco, deixemos para mais tarde esse tema. E concentremo-nos na imigração.

“Acho que a AD está a tentar apropriar-se do discurso da extrema-direita na segurança e na imigração.” Esta foi uma das criticas da líder parlamentar do PS Alexandra Leitão. O que nos leva a perguntar se tem andado pelo país e ouvido as preocupações dos seus concidadãos mais expostos à pressão da imigração.

Há algum tempo que se devia ter começado a gerir a imigração. Mas o PS de António Costa, receoso de ser acusado de ser o Lobo da extrema-direita ou apenas por incapacidade, deixou o problema assumir proporções tais que, aí sim, estávamos em passo acelerado para a rejeição dos imigrantes, de que tanto precisamos, em algumas localidades do país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Finalmente deixou de ser tabu identificar os problemas que podem ser gerados com a imigração, especialmente quando esta atinge determinadas dimensões e características, designadamente com diferenças culturais que os locais têm dificuldade em entender. Ninguém, em país nenhum, aceita os imigrantes por razões económicas e financeiras. Argumentos como ‘fazem o que os portugueses não querem fazer’ ou ‘contribuem para a sustentabilidade da Segurança Social’, sendo verdadeiros, não pacificam populações que, como qualquer ser humano, têm medo da diferença que não compreendem.

O problema de Luís Montenegro foi ter anunciado apenas medidas de carácter mais repressivo, como a criação de novos centros de instalação temporária no caso da imigração. Esta medida pode reduzir o número de imigrantes ilegais em Portugal, mas não aborda o problema fundamental da integração dos imigrantes nas comunidades locais. Isto, que é menos visível, tem de contar com a participação das autarquias.

Seja como for, o Governo tem a seu crédito o facto de ter tido a coragem de admitir que temos um problema com a integração dos imigrantes, que está a gerar a rejeição em algumas comunidades locais. A atitude dos partidos à esquerda do PSD, incluindo o PS, é que parece incompreensível quando rejeitam até reconhecer que existe um problema e tratam todos os que falam do tema como racistas, xenófobos e aliados da extrema-direita. Se seguíssemos esta abordagem de insultar quem fala do problema e deixar andar, estaríamos a  ser cúmplices de redes de tráfico humano e a alimentar a rejeição à imigração.

Mas se na imigração o Governo tem tido coragem, ainda que com uma abordagem incompleta, há medidas em que tem gerado incentivos perversos. Há dois exemplos especialmente importantes que são a habitação e o IS Jovem.

No caso do IRS Jovem, o Governo acabou por ser salvo pela negociação com o PS para a viabilização do Orçamento para 2025. Tudo parece indicar que se aperceberam do absurdo da medida, que desenharam e anunciaram, e aproveitaram a negociação com os socialistas para recuarem, apresentando isso como uma cedência.

O IRS Jovem é uma medida absurda desde a sua criação no tempo de António Costa, criando um regime para novos e outro para mais velhos, não resistindo a uma análise mínima sobre os critérios que devem ser respeitados num imposto sobre o rendimento. Mas até se podia justificar se conseguisse atingir o objetivo de reter os jovens portugueses em Portugal, embora seja difícil perceber qual o problema que isso levanta – afinal ganham mundo, a mobilidade de pessoas no espaço europeu é positiva até para forçar a convergência dos salários. Mas ninguém considerou que era importante responder à pergunta: quais os resultados obtidos com o IRS já aplicado pelo PS?

Mais grave ainda é, aparentemente, o Governo não fazer, previamente aos anuncios, uma espécie de exercício de “advogado do diabo”, uma análise critica das medidas, avaliando os seus efeitos nas mais diversas perspetivas – que não sejam, obviamente captar eleitorado.

Foi também por não ter feito isso – ou não ter querido fazer – que as medidas para a compra de habitação por parte dos jovens acabaram a alimentar ainda mais a subida dos preços. Como explicam os economistas, com uma oferta que é basicamente rígida, um aumento da procura tem como consequência um aumento do preço.

O mesmo se passa nas medidas que pretendem promover o uso de transportes públicos, como o passe ferroviário verde. Neste caso os preços não aumentam, mas a restrição da oferta traduz-se numa espécie de racionamento em que só usa quem chegar primeiro.

Claro que todas estas medidas, com outras roupagens, foram igualmente anunciadas pelo PS. Ou seja, anunciam-se medidas que na realidade são conjuntos vazios – porque não há oferta – ou têm efeitos mais negativos do que positivos – como quando o Governo de António Costa assustou os proprietários de casa para arrendamento.

É mais fácil de dizer do que de fazer, mas é preciso pelo menos ter consciência que temos, em muitas áreas, problemas que estão do lado da oferta. Sabemos que fazer reagir a oferta leva tempo, o que não se compadece com o tempo da política, especialmente de um Governo minoritário em buscar de reforço de eleitorado. Mas o Governo devia pelo menos avaliar um bocadinho melhor as medidas que vai anunciando em grande profusão, para que a emenda não seja pior do que o soneto.