Fizeram-me esta pergunta quando partilhei que decidi abraçar uma nova carreira profissional na Quidgest, uma tecnológica que desenvolve software assente em Modelação e Inteligência Artificial Generativa. Sem perceber muito bem, na altura, que a frase vinha carregada de preconceito, apenas sorri e disse: “O que não perceber, hei de aprender com quem saiba”.

Depois de algum tempo imersa no universo dos sistemas de gestão de informação aplicados a várias áreas de negócio, e de ter chegado ao Top3 das finalistas nos Portuguese Women in Tech awards 2023, resolvi desenterrar este episódio, já que se baseia numa das muitas frases que saem diariamente da boca de quem ainda insiste em questionar a capacidade das mulheres em campos dominados historicamente por homens. “Os homens são muito melhores a programar”, “Deves ser a única mulher na tua equipa, não?” ou “Agora é mais fácil ter mulheres nas TI, porque tudo se faz com computador” são exemplos de comentários semelhantes, carregados de um legado cultural que marginaliza, subestima e desencoraja o potencial feminino. Pior mesmo, só quando são proferidos por outras mulheres.

Perceber de tecnologia não se limita a dominar linguagens de programação ou arquiteturas de software complexas. Perceber de tecnologia também é usar a tecnologia para melhorar a vida das pessoas. É desconstruir a mensagem sobre as inovações que tornam o nosso mundo mais sustentável e acessível para todos. É ter curiosidade em conhecer as histórias de vida de quem faz nascer a tecnologia e porquê. É partilhar o nosso feedback enquanto consumidores com as marcas, quando elas fazem bem e quando fazem menos bem.

É não deixar o mundo esquecer que há pioneirismo e empreendedorismo tecnológico muito para além de Arquimedes, Leonardo da Vinci, Johannnes Gutemberg, Charles Babbage, Thomas Edison, Nikola Tesla, Alan Turing, Steve Jobs, Bill Gates, Tim Berners-Lee ou Mark Zuckerberg. Há também conhecimento e inspiração no legado de Hipátia de Alexandria, Trota de Salerno, Ada Lovelace, Hedy Lamarr, Grace Hopper, Katherine Johnson, Margaret Hamilton, Radia Joy Perlman, Susan Kare, Sheryl Sandberg ou Marissa Mayer.

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É esclarecer as gerações mais novas de estudantes sobre a importância da diversidade nas carreiras em Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. É educar filhos e filhas para um futuro onde o género não pode ser obstáculo à inovação e ao desenvolvimento das sociedades e das nações. É explicar aos pais, colegas, vizinhos e desconhecidos curiosos que trabalhar em tecnologia tem mil e uma nuances e não se resume a trabalhar com um computador ligado à Internet. Perceber de tecnologia é tudo isto e muito mais!

A tecnologia é uma extensão da humanidade que nos permite conectar, criar e inovar de maneiras que seriam impensáveis num passado imediatamente anterior. E, neste contexto, homens e mulheres têm um papel igualmente fundamental para superar os limites considerados intransponíveis no seu tempo. Eles e elas trazem perspetivas, experiências, ideias e contribuições únicas, que enriquecem e diversificam o campo tecnológico, tornando-o mais representativo e alinhado com a realidade – ela própria multifacetada e multigénero.

Por isso, se alguma vez te perguntarem: “Mas tu percebes alguma coisa de tecnologia?”, lembra-te que não precisas de estudar Engenharia Informática, de ser Software Developer ou de fundar uma startup com destaque na mais recente edição do Web Summit. Tu percebes de tecnologia, porque ‘perceber’ vai muito além de bater código à mão ou angariar milhões de dólares para um negócio tecnológico. “Sim, percebo de tecnologia e muito, obrigada. Se quiseres, podemos trocar algumas ideias sobre o assunto”.  Isto é o que eu responderia hoje. E tu?

O Observador associa-se à comunidade PortugueseWomeninTech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.