Chefes altamente tóxicos já todos tivemos. Alguns ainda os têm e conhecem bem o seu poder destruidor. Quem já se conseguiu descartar de um mau chefe sabe dar valor a quem ainda sofre os efeitos erosivos de ter que trabalhar com quem deprecia permanentemente os que estão à sua volta, quem discute e grita pelo prazer de exercer o poder a discutir e a berrar, quem é capaz de castigar e impor a sua vontade, quem controla absolutamente tudo e não delega absolutamente nada ou, pior ainda, quem se sente acima de qualquer crítica e se desinteressa completamente da sua equipa, optando por dirigi-la à distância, com arrogância, presunção de superioridade e um criticismo intolerável. Por vezes até com pulso de ferro e mão pesada.

Empresas diferentes, exigem tipos de liderança distintos, como é óbvio, mas há traços comuns nos maus chefes, independentemente das suas áreas de especialidade e círculos de influência. Há, ou devia haver, requisitos mínimos para cargos executivos e de direção, mas duvido que sejam escrupulosamente cumpridos na esmagadora maioria das organizações.

Há maus chefes e péssimos líderes em todas as gerações. Alguns até podem ser profissionais competentes, com elevado grau de formação, dotados de mentes incisivas, com pensamento focado, capazes de ter ideias brilhantes ou de implementar estratégias inovadoras, mas nenhum tem uma característica absolutamente essencial para estar na posição que ocupa: inteligência emocional.

Os grandes líderes e os chefes mais eficazes têm uma característica essencial em comum, diz Daniel Goleman, que continua a ser uma das maiores referências internacionais em matéria de inteligência emocional. “Todos eles possuem um grau elevado de QE”.

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Não é o QI (Quociente de Inteligência) que mais importa, mas sim o QE (Quociente Emocional), e nada disto é novidade, pois Goleman começou a estudar e a publicar os seus estudos há décadas. E é por não ser novidade e as investigações estarem feitas e validadas há muitos anos, que espanta ver tantos maus chefes em tantas empresas.

Um dos estudos mais citados de Goleman e que ele próprio gosta de referir, foi o que tinha como objetivo determinar quais as capacidades pessoais que conduziram a um desempenho excelente dentro das centenas de organizações analisadas. “Agrupei as capacidades em três categorias: aptidões puramente técnicas, tais como a contabilidade e o planeamento de negócios; capacidades cognitivas, tal como o raciocínio analítico; e competências demonstrativas de inteligência emocional, tais como a capacidade de trabalhar em equipa e a eficácia em liderar a mudança”.

Convém sublinhar que nenhum líder é uma ilha e o mundo das empresas é um imenso sistema de colaboração e entrega. Ou seja, estamos todos obrigados a ter que fazer equipa, bem como a encontrar pontos de colaboração entre pares e na hierarquia, pois de outra forma é impossível atingir objetivos. Acontece que se olharmos para as organizações e as virmos como ‘tribos’, dotadas de ‘chefes’ e ´índios’, caímos na conta de que há demasiadas ‘tribos’ em que os ‘índios’ são muito melhores que os ‘chefes’. Para muitos profissionais esta metáfora é uma realidade quotidiana, aliás.

Goleman, que sabe tudo isto e também está consciente de que nada no mundo é permanente, exceto a mudança, ajuda a perceber esta realidade dos bons e maus chefes: “Quando analisei todos os dados, encontrei resultados espetaculares. De fato, o intelecto motivava um desempenho excecional. Capacidades cognitivas, como um raciocínio abrangente e uma visão a longo prazo, eram particularmente importantes. Mas, quando determinei a proporção entre competências técnicas, o QI e a inteligência emocional, enquanto ingredientes para um desempenho excelente, a inteligência emocional provou ser duas vezes mais importante do que os demais fatores, para o desempenho de cargos em todos os níveis hierárquicos”.

Duas vezes mais importante e, logo, duas vezes mais eficaz?! Dá que pensar, esta coisa da inteligência emocional. Mas de que é que estamos a falar, quando falamos de QE, Quociente Emocional? Seguramente de autodisciplina, que é a capacidade de cada um controlar as suas emoções, humores, estados de alma, impulsos e atitudes mais radicais, digamos assim. Se tomarmos como exemplo concreto os ‘humores’ de certos diretores e contabilizarmos a quantidade astronómica de chefes que chegam à empresa mal-humorados logo de manhã, realizamos melhor o que é isto da autodisciplina. E percebemos a necessidade vital de controlar ou redirecionar os humores matinais. E outros.

É interessante ler Goleman, quando ele diz que “quanto mais elevado é o cargo de uma pessoa considerada como profissional excecional, mais as aptidões de inteligência emocional revelaram ser a razão da sua eficácia. Quando comparei profissionais excecionais com outros de desempenho médio, em posições de liderança de topo, quase 90% da diferença nos respetivos perfis se podia atribuir a fatores de inteligência emocional e não às capacidades cognitivas”.

É a inteligência emocional que permite manter o otimismo mesmo perante o fracasso ou a derrota, é a inteligência emocional que diferencia líderes excecionais e é ela que está sempre associada a um desempenho forte. Nisto todos os especialistas e investigadores de QE convergem.

Voltando à definição de inteligência emocional, Daniel Goleman fala de um conjunto de 5 aptidões que permitem aos melhores líderes maximizar o desempenho dos seus colaboradores. O enunciado começa pela já referida autodisciplina, que segue diretamente para o autoconhecimento. Se pensarmos nos chefes tóxicos e altamente abrasivos que fomos encontrando ao longo da vida profissional, conferimos facilmente que claramente não tinham estas aptidões.

O autoconhecimento permite identificar os próprios pontos fortes, mas também as fraquezas e vulnerabilidades, que são pontos muito sensíveis e podem ter um efeito tremendo nos que gravitam diariamente no mesmo espaço. Quem se conhece bem a si mesmo sabe o impacto que as suas virtudes e os seus defeitos têm nos outros. E por saber o impacto de umas e outros, também sabe que tem que ter mais controlo sobre si mesmo. E mais compaixão pelos defeitos dos outros. Quem se conhece bem e se sabe imperfeito é capaz de lidar melhor com as imperfeições dos outros. E mais facilmente percebe os efeitos devastadores ou resgatadores do feedback que dá na empresa. Um mau chefe sabe destruir, mas um líder efetivo sabe construir, resgatar e salvar as suas equipas dos fracassos, erros e derrotas.

E é neste capítulo de feedback que entram as três aptidões essenciais que fecham o ciclo de 5 que Goleman indica: a motivação, a empatia e a relação interpessoal.

A motivação, porque um bom líder sabe que precisa de saber encorajar os outros, mas também de manter a sua própria motivação ‘em alta’ para cumprir as tarefas de cada dia. A empatia, porque é absolutamente vital ‘calçar os sapatos dos outros’, tentar compreender as suas características emocionais, conhecer os traços de caracter mais marcantes e identificar o perfil humano e de comunicação das pessoas com quem trabalhamos. Relação interpessoal, porque no mundo do trabalho é decisivo estabelecer relações harmoniosas com os outros para os contagiar e conduzir na direção pretendida.

Ninguém é mais eficaz por trabalhar com pessoas tóxicas. Ninguém é mais produtivo por se desgastar diariamente no embate com chefes autoritários. Ninguém fica mais perfeito por ser diária e presunçosamente confrontado com as suas imperfeições. Nesta lógica e porque a voz dos especialistas e investigadores merece ser ouvida, vale a pena seguir as pistas dos que estudam e garantem que poucas situações provocam mais esgotamentos e ‘burnout’ do que a influência de maus chefes ou a proximidade de péssimos líderes.