Giorgia Meloni venceu eleições com a pior combinação possível: prometendo derrotar o Leviatã de Bruxelas, acabou dependente de Matteo Salvini e de Silvio Berlusconi para conseguir uma maioria. O castigo não tardou: Berlusconi, ocupado a recordar a sua longa amizade com Putin, ficou fora do governo; Salvini, num destino ainda pior, ficou com o ministério da “Mobilidade Sustentável” – a julgar pela sua carreira política, será provavelmente para se ocupar com a mobilidade descendente.

Ao contrário do debate público, portanto, Meloni tem memória e alguma graça. No entanto, parecem faltar-lhe amigos fora do círculo habitual, como nos recordou com a nomeação para o governo de Galeazzo Bignami, um parlamentar conhecido por ter usado uma suástica numa festa de 2005. Ao mesmo tempo que se discutiam as grandes nomeações, as promessas de reformas económicas e de combate ao consenso na política europeia foram substituídas por promessas de apoio à Ucrânia e pela nomeação de Antonio Tajani, antigo presidente do Parlamento Europeu e figura importante do PPE em Bruxelas, para colega do senhor Bignami e responsável pelos Negócios Estrangeiros.

Durante essa completa inversão do seu programa de governo, a agora combatente antifascista Meloni passou ainda pela habitual discussão sobre o feminismo e a possibilidade de servir como ícone do movimento. Como de costume, ninguém saiu propriamente mais informado desse debate, que entre as posições inflamadas nos permitiu perceber que é possível que as feministas pretendam ver-se associadas a alguém com o histórico e as “ideias” (em sentido lato e com referência às escolhidas para a presente semana) de Meloni, que por sua vez também não demonstra grande interesse em ficar adstrita a esse conjunto particular de pessoas inflamadas nas redes sociais.

É um excelente traço democrático que não seja minimamente importante o que qualquer um dos lados deseja obter da História. Se Meloni seguir o caminho dos seus antecessores e abandonar o governo daqui a um ano, nem o feminismo nem o Twitter vão recordar o seu nome; se, improvavelmente, a vitória eleitoral não tiver sido efémera nem ocasional, a primeira Primeira-Ministra italiana merecerá mais do que uma nota de rodapé, independentemente do que se for escrever.

Nada disso importará tanto como a possibilidade de fazer política. Se podemos assegurar que Meloni não é (ainda) um ícone feminista, já ninguém pode realisticamente prometer que a sua personagem governamental será um souvenir da militância juvenil com os herdeiros de Mussolini, um ponta-de-lança da resposta europeia à ameaça russa ou a justiceira das redes que liberta profissionais de saúde da vacinação obrigatória contra a Covid-19. Se optar por combinar todas as alternativas à sua disposição, pode inaugurar uma forma de fazer política na Europa e assegurar por aí o seu lugar na História. Pelo que se tem visto, é mais provável que daqui a cinco anos o seu nome seja uma memória implausível e distante numa lista interminável de chefes de governo – o primeiro Matteo Renzi feminino na História de Itália.

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