De novo uma história crapulosa. De novo com origem na Assembleia Municipal de Lisboa, desta vez durante a sessão plenária de terça-feira da semana passada, dia 17 de Setembro. De novo um enredo à moda da esquerda levou à suspensão dos trabalhos dos deputados e agitou as redacções dos jornais e televisões pelo menos até sexta-feira ao final do dia. Não mais do que isso, como se compreenderá.

Explico o que aconteceu. Discutia-se a Informação Escrita do Presidente, documento de apresentação periódica obrigatória em que o executivo presta contas à Assembleia do que andou a fazer. O governo da cidade, sentado de frente para a Assembleia, ao correr de uma mesa forrada com saias de pano preto, vai cochichando, cada vereador com o respectivo chefe de gabinete. E uma dúzia de assessores. E outra dúzia de portáteis, telemóveis, e tablets. A Presidente da Mesa, sentada lá em cima, tem direito a um ramo de flores, e o Presidente da Câmara, ao centro, cá em baixo, também tem. Quem olha para o arranjo da sala vê o protocolo de todas as salas e todas as solenidades da nossa conselheiral democracia. Estamos na avenida de Roma, mas podíamos estar em qualquer outro metro quadrado do regime. Os deputados perguntam, comentam, acusam, divagam, e o Presidente ouve. Depois responde-lhes, um por um. Segue para o deputado seguinte. À parte estes atavismos, alguns agitam-se e outros bocejam.

A esquerda, aproveitando a oportunidade preciosa deste assunto não vir a propósito, decidiu atacar Carlos Moedas com a instalação dos novos painéis publicitários. Primeiro através de José Sobreda Antunes, deputado daquele partido português com assento em todo o lado apesar de nunca ter recebido dos eleitores um único voto. Porque os “painéis gigantes” tinham área excessiva, e eram muito luminosos, e muito digitais, e estavam nos sítios errados, e provocavam riscos de segurança rodoviária. Também na Assembleia Municipal de Lisboa o PEV faz de conta que é um partido e toda a gente faz de conta que acredita. Sobreda Antunes é um bom malandro, simpático e educado, “Mestre Sobreda” para a malandragem miúda. Já com anos de Assembleia, e um olho pidesco para as gralhas de ortografia, é uma espécie de corrector oficial dos textos das comissões. Se lhe escapa uma vírgula fica doente. Carlos Moedas explicou com paciência a Sobreda Antunes que, no capítulo dos novos painéis, a Câmara estava condicionada por decisões do executivo anterior – do PS e de Fernando Medina.

Seguiu-se o Bloco de Esquerda, na pessoa da deputada Maria Escaja, que na doce voz de falsa freira que só as deputadas da extrema-esquerda conseguem produzir, chamou mentiroso a Carlos Moedas. Assim: “A localização [dos painéis publicitários] foi decidida pelo executivo Novos Tempos, tal como foi noticiado ainda ontem no Expresso, que é insuspeito de estar refém da extrema-esquerda radical.”

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Aqui concordamos. Ouvi dizer que há dois ou três jornalistas do Expresso que não militam nem se deixam guiar por gurus da extrema-esquerda radical.

Mas Maria Escaja avançou: “O que eu digo a seguir não vem sem mágoa e sem pesar. Porque ao culpar reiteradamente o antigo executivo, Carlos Moedas mente. E mentiu-nos a nós, cidadãos eleitos aqui presentes, e mente à população de Lisboa, e eu peço-lhe, senhor Presidente explique-nos o porquê de o ter feito. Porque é que não assume as suas responsabilidades (…) e porque é que nos tenta enganar?”

Carlos Moedas declarou que não iria responder ao Bloco de Esquerda, nem ficaria na sala enquanto o Bloco de Esquerda estivesse a falar. Levantou-se e saiu.

Mas a história, ao contrário do que se viu nos jornais, não ficou por aqui. Veio outra deputada do BE, Joana Teixeira, subiu ao púlpito e disse que a saída de Carlos Moedas da sala mostrava a incapacidade de ele “responder às perguntas dos deputados”. Isto criou uma onda de apartes compreensivelmente furiosos dos partidos da coligação, sobretudo da bancada do PSD.

É neste momento que Miguel Graça, deputado “não inscrito” eleito nas listas do PS, e famoso pelo fanatismo, pede uma interpelação à Mesa. A Mesa dá-lhe a palavra. E Miguel Graça diz que o PSD só interrompe “deputadas mulheres”; que “isso tem um nome”; e que a Assembleia “não pode continuar”, porque “não é digno”.

O que faz a Presidente da Mesa da Assembleia? Suspende a sessão. Eu própria preparava-me para sair atrás de Carlos Moedas, a fim de o felicitar pela atitude que tomou ao abandonar a sala, e de lhe dizer que foi a resposta forte a um ataque forte e injusto. Mas não me deram essa liberdade; tive de ficar a ouvir um sermão da Presidência da Mesa, para quem os acontecimentos, insinuadamente provocados pela direita, eram “uma vergonha para os lisboetas”. E deu ordem aos serviços para cortarem a transmissão directa (todas as sessões são transmitidas em directo no YouTube, e ficam disponíveis no canal da AML; esta é a 132ª Reunião Plenária). Os trabalhos da Assembleia Municipal de Lisboa, a pedido de um deputado da extrema-esquerda, estiveram parados por vinte e seis minutos.

Toda a discussão dizia respeito aos novos painéis publicitários a instalar em Lisboa, alguns deles digitais, parecidos com grandes televisões – por isso lhes chamam “painéis gigantes”. Resultam de um contrato de concessão de mobiliário urbano (mupis, outdoors, paragens de autocarro, etc.), durante 15 anos, para publicidade, em troca de 8,3 milhões de euros por ano que a empresa JC Decaux, ganhadora do concurso, vai pagar à Câmara de Lisboa. A história vem de 2016, concurso aberto em 2017. Nessa altura houve uma decisão do júri, depois o concurso foi impugnado, tudo isto levou tempo, e as coisas só ficaram definitivamente decididas em 2022, ano em que Moedas assinou o contrato.

A parte curiosa? Em Setembro de 2022, o contrato tinha sido aprovado em reunião de Câmara, praticamente por unanimidade; quase todos os vereadores votaram a favor, com apenas duas abstenções (do Livre e da vereadora Paula Marques, independente eleita nas listas do PS). Ou seja, a própria oposição, do PS, o PCP, e o Bloco de Esquerda, votou a favor do contrato que Moedas viria a assinar.

Dois anos depois, terça-feira da semana passada, na reunião plenária da Assembleia Municipal, a esquerda execra os painéis, e as deputadas do BE acusam Moedas de mentir. Moedas abandona a sala. Seguiu-se a indispensável polémica nos jornais e televisões, a esquerda verteu raiva em artigos tendenciosos contra Carlos Moedas, e o PS explicou que Moedas era responsável pela localização dos “painéis gigantes”. Na sexta-feira seguinte, ao final do dia, uma notícia no jornal Público confirmava que a localização dos painéis estava decidida desde 2016, descrita no anexo III ao Caderno de Encargos de Fernando Medina. Quem mentiu foi o PS, desde o primeiro minuto, sabendo que mentia.