“Quando algo é grátis, o produto és tu.”
Frase atribuída ao jornalista Andy Lewis

Quem por estes dias andou pelo Instagram ou Facebook provavelmente cruzou-se nas famosas “stories” com um disclaimer com tom ameaçador escrito em legalês denominado “Goodbye Meta AI”. Há milhões de utilizadores a partilhá-lo em massa, acreditando que isso impede a Meta de usar os seus dados para fins de inteligência artificial.

A dita mensagem reza o seguinte: “Goodbye Meta AI. Please note an attorney has advised us to put this on. Failure to do so may result in legal consequences. As Meta is now a public entity, all members must post a similar statement. If you do not post at least once, it will be assumed you are okay with them using your information and photos. I do not give Meta or anyone else permission to use any of my personal data, profile information, or photos”.

Eventualmente, está a ler este texto e a pensar que foi um dos utilizadores que optou por fazer o dito post. Afinal não custou nada e à cautela mais vale fazer do que ignorar. Talvez tenha visto no Tik Tok o post da Catarina Rocha onde esta se lamenta da sua triste sina por ter quebrado uma corrente no MSN em 2010 e ficou com receio de lhe acontecer o mesmo. A parte boa é que não está sozinho na mistificação, sendo acompanhado até por celebridades como as atrizes Julianne Moore e Sarah Paulson, o ator James McAvoy ou o jogador da NFL Tom Brady. E se é ternurento ver tanta gente a ameaçar a Meta, fiquei paralisado ao perceber que imensas pessoas da minha rede de relações por quem tenho apreço e respeito intelectual vive numa iliteracia digital tão gritante ao ponto de acreditar na bondade de semelhante inutilidade.

Não vale a pena fazer floreados, o “Goodbye Meta AI” é completamente vazio. Não tem qualquer valor legal e não impede a Meta de tratar dados de acordo com os seus Termos de Serviço.

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Mas porque é que esta mensagem se tornou viral? Porque apela às preocupações crescentes das pessoas sobre como as empresas, especialmente a Meta, utilizam IA e os seus dados pessoais. Agora, quem quiser controlar a sua pegada digital, não é republicando um “disclaimer” como o “Goodbye Meta AI” que vai ter sucesso.

Desde logo, a Meta trata dados pessoais com fundamento legal, e tal ocorre porque as pessoas se inscrevem e subscrevem os seus Termos de Serviço. Quando alguém se inscreve no Facebook, Instagram ou outras plataformas da Meta, concorda que a Meta trate os seus dados com base em critérios como “a necessidade para executar o contrato” ou o “interesse legítimo”. Estes fundamentos permitem à Meta operar a sua plataforma e, sim, usar os dados dos utilizadores para personalizar conteúdo, anúncios e melhorar as suas tecnologias de IA. Os fundamentos que a Meta utiliza têm vindo a ser contestados judicialmente, por haver quem entenda que deveria haver, para alguns tratamentos, um consentimento expresso, mas os litígios em curso ainda não se revelaram conclusivos. Uma coisa é certa: publicar uma história ou um “disclaimer” não altera esse acordo nem impede a Meta de prosseguir com a sua vidinha.

Por isso, quem quiser realmente impedir que a Meta utilize os seus dados, de forma categórica, a única forma que tem à sua disposição é eliminar a sua conta. Esta é a dura verdade. E, mesmo assim, alguns dos dados já recolhidos e tratados poderão ter de ser retidos para finalidades específicas, como obrigações legais ou prevenção de fraudes.

Há, em qualquer caso, alguns passos intermédios que permitem reforçar a privacidade online de quem utiliza as plataformas da Meta, mais eficazes do que um disclaimer “advised by an attorney” qualquer:

Ajustar as Definições de Privacidade: A Meta oferece várias opções de privacidade que permitem controlar quem vê o conteúdo e quanta informação é partilhada. Um utilizador pode limitar a visibilidade das suas publicações, impedir o rastreamento de localização e gerir quem o pode encontrar.

Preferências de Anúncios: A Meta utiliza os dados dos utilizadores para gerar anúncios direcionados. Embora um utilizador não possa optar totalmente por não ver anúncios, pode gerir os tipos de anúncios que vê e reduzir o rastreamento da sua atividade fora das plataformas da Meta, ajustando as preferências de anúncios.

Centro de Privacidade da Meta: A Meta lançou um “Centro de Privacidade” onde os utilizadores podem rever e gerir os seus dados de forma mais abrangente. Esta ferramenta oferece informações sobre os dados que a Meta recolhe e como são utilizados, bem como opções para descarregar ou eliminar os dados. A portabilidade de dados é uma opção útil, pois embora não impeça a Meta de recolher os dados dos utilizadores, dá-lhes mais controlo sobre como e onde as suas informações estão armazenadas.

A chave para termos mais privacidade passa, desde logo, por limitar o uso e o tipo de informações que se coloca online. É ainda fundamental entender o funcionamento das plataformas e as ferramentas disponíveis. Tendências virais, embora muitas vezes bem-intencionadas, podem desviar a atenção de soluções reais. Em vez de repostar “disclaimers” que não têm efeito, invistam tempo a explorar as definições de privacidade e a usar ferramentas que realmente dão controlo sobre os dados. A lei e os outros não substituem um papel que está reservado a cada um de nós. Nós somos, no final, o maior garante de nós próprios, saibamos ter um comportamento online compatível com as nossas aspirações.