Ficamos quase sempre espantados quando alguém não entende o que escrevemos. Admito que não fui suficientemente claro. Aliás só pode ser essa a razão porque, meu caro Paulo, não entendeste nada do que escrevi. De resto, quando li a tua resposta, fiquei assustado e pensei ‘caramba, escrevi mesmo isto’. Vejamos. Disseste que defendo “uma União intergovernamental, isto é, governada pelos Estados.” Ou seja, “por um directório ou por um só país, quando suficientemente poderoso.” A concretizar-se, esta visão leva “necessariamente ao fim da UE.” E não acaba aqui. As minhas ideias, no essencial, são as ideias “das largas dezenas de deputados cujo principal fito é acabar com esta odiosa organização (a UE).” Não fazia ideia que prosseguia um “fito”, até o Paulo me dizer. Mas não só o prossigo como acompanho a Marine Le Pen e o Nigal Farage. O leitor certamente entende por que me assustei.

A resposta do Paulo sofre do chamado ‘problema bipolar’ partilhado por muitos que discutem a União Europeia. De um lado, estão os bem intencionados, que defendem objectivos admiráveis como “uma verdadeira união de povos”, a “paz na Europa”, a independência e a prosperidade de Portugal e, até, “o bem estar dos nossos filhos.” Do outro lado, estão todos os que discordam dos bem intencionados (as razões são indiferentes), cujas ideias levam ao fim da UE, ao regresso dos “Hitlers, Mussolinis” e da guerra, e à condição de “protectorado” de Portugal.

Volto assim aos meus argumentos. Em primeiro lugar, considerei que a escolha de candidatos para Presidente da Comissão Europeia constitui uma violação do Tratado de Lisboa. Tu discordas e dizes porquê: “se o candidato (a presidente da Comissão Europeia) é eleito pelo Parlamento Europeu”, então será “lógico e sobretudo legítimo que a instituição – os grupos políticos – proponha antecipadamente os candidatos.” Na minha opinião não é lógico e muito menos legítimo. A tua lógica reduziria o Conselho Europeu a simplesmente confirmar a escolha do Parlamento sem qualquer intervenção relevante no processo. Quem acompanhou as negociações do Tratado de Lisboa sabe muito bem que não foi essa a intenção dos negociadores. A intenção foi o Conselho Europeu escolher um candidato que reunisse as condições políticas para conseguir uma maioria no Parlamento. Não foi dar essa escolha ao Parlamento, reduzindo o Conselho Europeu à condição de notário. Discordamos. Mas, ao contrário de ti, aceito as nossas divergências sem achar que as tuas ideias podem levar ao fim da UE.

E não entendo por que razão o meu argumento é “intergovernamental”. Estou simplesmente a defender o que entendo ser o respeito pelos tratados (para usar um palavrão, o ‘método comunitário’). Além disso, também não percebo o teu problema com o “intergovernamentalismo” (que tratas como a antecâmara das ditaduras). Os tratados, desde Roma a Lisboa, resultam de negociações entre governos (intergovernamentais portanto). O teu “sonho” pelo qual tanto “lutas” tem sido o resultado da vontade de governos. Olha para a fotografia dos participantes nas negociações do Tratado de Roma e tenta descobrir os representantes do Parlamento Europeu.

No meu artigo, apresentei ainda um segundo argumento. Os governos nacionais não só têm o poder legal para escolher o candidato a presidente da Comissão Europeia, como gozam da legitimidade política para o fazer. Nunca aceitei o argumento do “défice democrático da UE” porque todos os governos dos países membros são inteiramente democráticos. Todos eles resultam de eleições parlamentares. E estou igualmente convencido que a grande maioria dos europeus sentem-se mais representados pelos parlamentos nacionais do que pelo Parlamento Europeu. E mais uma vez aceito que tenhas uma posição diferente, sem te acusar de nada.

Na tua resposta, a associação dos meus argumentos às ideias da Le Pen e do Farage irritou-me. Fiquei irritado por que levo a democracia e a UE (por esta ordem) muito a sério. Por isso lamento dizer-te, meu caro Paulo, não leste o meu artigo. Ouviste a cassete que tens na cabeça e que começa a tocar automaticamente cada vez que não concordas com algum argumento sobre a UE ou sobre o Parlamento Europeu. Espero que desta vez leias o meu texto e não ouças a cassete.

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