Pedro Nuno Santos e outros entusiastas de encontros à esquerda na Aula Magna, como José Pacheco Pereira, podem continuar a repetir que Luís Montenegro é do mais extremista que há que isso não tornará o primeiro-ministro no Khamenei de Espinho nem sequer, como preferiria a esquerda, num Ventura 2.0. Se é inegável que Montenegro assume bandeiras tipicamente da direita, que tem uma atenção superior a questões de imigração e segurança à que tiveram os seus antecessores, também é verdade que, mesmo nessas áreas, há um oceano que os separa. E essa diferença favorece ambos.
Comparar Montenegro a Ventura é como confundir a Estrada da Beira com a beira da estrada. Ou o Benformoso com um bem formoso. Vamos, então, jogar às diferenças. O primeiro-ministro, a frio, acabou por dizer que “não gostou de ver” os imigrantes com as mãos encostadas à parede. Para o líder do Chega, atos como aqueles deviam acontecer mais vezes e até “todos os dias”.
Luís Montenegro não só disse ao Diário de Notícias que “nunca” fez “uma associação entre imigração e insegurança”, como revela claramente a sua posição: “Acho que ela não existe.” Já André Ventura faz de forma clara essa associação e chegou a dizer — o que foi em parte contrariado por artigos de fact-checking — que “30% das detenções são de estrangeiros” e que “20% da atual população prisional também são estrangeiros.”
André Ventura, qual Trump sobre Springfield, também disse que os imigrantes “não podem comer nem gatos, nem cães, nem lagartos” e não tem pejo em apontar diretamente aos muçulmanos: “Não nos vêm dizer como é que as nossas mulheres se devem vestir”. Luís Montenegro, o mais longe que vai nessa matéria, é numa versão mais soft, para dizer que os imigrantes “têm de querer, têm de se aculturar, têm de se integrar na sociedade de forma permanente.”
André Ventura não só faz distinção entre portugueses (os de “bem” e os de “mal”) como faz uma espécie de apologia do privilégio de quem nasceu em Portugal sobre quem é imigrante. Tenha ou não, ao longo da vida, adquirido nacionalidade portuguesa. Quando o líder da comunidade do Bangladesh (que também é militante do PS), Rana Taslim Uddin, que vive há 34 anos em Portugal, lhe deu as boas-vindas ao Martim Moniz, Ventura foi implacável: “Eu é que o cumprimento por estar aqui, porque a terra é nossa ainda”. Já Luís Montenegro abre a porta a que os imigrantes que escolham o país sejam considerados tão portugueses como os que aqui nasceram “Devemos olhar para os imigrantes que nos procuram, que se estabelecem e trabalham aqui, que trazem as suas famílias ou que cá constituem as suas famílias, como novos portugueses.”
Ainda sobre segurança, André Ventura faz de forma recorrente associações entre criminalidade e a comunidade cigana, a última delas à boleia do tiroteio no Palácio do Gelo, em Viseu. O líder do Chega fala num “problema profundo de impunidade” que é “alicerçado em décadas”. Luís Montenegro, pelo contrário, já repreendeu o líder do Chega num debate quinzenal para lhe dizer que uma grande diferença entre ambos é que ele, ao contrário de Ventura, “não olha para quem comete crimes por comunidade ou grupo étnico”.
É verdade que Luís Montenegro convocou uma conferência de imprensa sobre segurança para prime time, que elogiou num primeiro momento a visibilidade da operação no Martim Moniz, que apoiou restrições ao atendimento de estrangeiros no SNS e que acabou com a manifestação de interesse. Mas, ao mesmo tempo, diz que Portugal é “um dos países mais seguros do mundo” e mantém a ideia de “recrutar mais recursos humanos no estrangeiro”. Além disso, na mensagem de Natal manteve que quer manter a “imigração regulada”, mas com o ónus a recair numa vertente humanista: tudo para que seja possível “acolher com dignidade e humanismo aqueles que escolherem viver e trabalhar no nosso país”. Para Ventura a realidade é bem diferente: “balbúrdia a céu aberto” num país que opta por “deixar entrar pessoas de qualquer maneira”.
Todos estes exemplos são apenas sobre a imigração e a insegurança, mas se se alargassem as comparações à postura institucional, ao estilo de discurso, à semântica e a qualquer outra área (saúde ou educação, por exemplo) ainda se iam encontrar mais diferenças entre Montenegro e Ventura. Não cabe aqui discutir qual é o mais eficaz, eloquente ou até carismático, mas é certo que o líder do Chega teria um bom score em muitas dessas avaliações. O que é evidente é que o contraste é tanto que duas fotografias políticas de ambos não teriam parecenças suficientes para fazer o típico jogo das diferenças publicados nas últimas páginas dos jornais tradicionais.
As diferenças dispensam um fino teste do algodão e serem firmadas contribui, aliás, para os objetivos políticos de ambos. Montenegro nunca será tão vocal e eficaz sobre imigração e segurança como os que aplaudem Ventura nessas áreas desejariam. Seria tonto tentar um eleitorado que se revê no líder do Chega e tem por ele uma adoração messiânica. Para esse eleitorado, Montenegro — muitas vezes a cumprir recomendações da OMS, resoluções da ONU, a seguir o que está no programa da AD e, já agora, na sua consciência — será sempre um woke, um frouxo, um cobarde. Por oposição, Ventura será sempre um corajoso e herói.
Por outro lado, há um centro a que Luís Montenegro chega onde André Ventura nunca chegará. O líder do Chega até pode ser primeiro-ministro um dia, mas se isso acontecer não é porque o centro maioritário o apoiará, mas sim porque o centro passou a ser minoritário. E até lá a única forma de crescer é, precisamente, ser mais radical que o líder do PSD e do Governo.
A conclusão é simples: Montenegro não é Ventura nem quer ser; Ventura não é Montenegro nem quer ser. Com óculos cor-de-rosa, o PS tem-se esforçado por provar que há poucas diferenças entre ambos. Mas são muitas. Os socialistas alimentam assim uma espécie de história de Pedro (Nuno) e o Lobo, relativamente à qual se preveem poucos ganhos de causa para o PS. Se um dia estiver alguém no lugar de Montenegro igual a Ventura, já ninguém vai acreditar.