Não está a haver relação transatlântica na crise provocada pelo novo coronavírus. Os Estados Unidos e a Europa, cada um se remeteu para os seus próprios problemas, deixando um espaço de cooperação, privilegiado nos últimos setenta anos, deserto. A NATO não morreu. Esvaziou-se como tantas outras organizações internacionais se têm vindo a esvaziar nos últimos anos.

A crise da Covid-19, até agora, não trouxe reviravoltas do ponto de vista internacional. Confirmou e exacerbou tendências. Vários autores falam de pandemias ou crises globais como aceleradores da história. Talvez seja o que estamos a ver. Na NATO e em, pelo menos, mais cinco elementos.

Os Estados Unidos da América abandonaram de vez a liderança internacional. Retiraram-se do seu papel organizador e de distribuidor de bens comuns internacionais e fecharam-se numa política externa cujo principal objetivo é enfraquecer a China como potência internacional. O resto do mundo não tem muito significado.

A Europa, sem os Estados Unidos, não tem capacidade de liderança. E está profundamente dependente de outros estados. De Washington para garantir a sua segurança, de Pequim para obter bens transformados industrialmente. Até agora não deu grandes contributos científicos no combate à pandemia, demonstrando que, até nessa área, não está a conseguir acompanhar outros estados.

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A China tornou-se uma potência incontornável no sistema internacional com impacto profundo no espaço transatlântico. Enquanto nos Estados Unidos há um consenso bipartidário, suportado pela opinião pública, de que Pequim é o adversário com o qual os Estados Unidos têm que competir, mais agora que a China foi responsável pela propagação internacional da pandemia, na Europa as posições para com Pequim são mais duras do que antes desta crise, mas suficientemente ambíguas para que o regime de Xi Jiping continue a pressioná-la e a obter dividendos. São públicas as notícias de que a diplomacia chinesa tem tido sucesso no enfraquecimento das posições europeias anti chinesas. Ainda ontem foi publicada uma carta assinada pelos embaixadores da UE na China e da China na UE a reiterar a importância da relação. Ainda que os estados europeus estejam cada vez mais preocupados com a dependência, com os ativos empresariais estratégicos adquiridos pela China em território europeu e a pressão diplomática pouco discreta vinda da Ásia.

A União Europeia está num impasse. Ainda que já se saiba que vai haver fundos avultados de apoio, a forma como esse dinheiro vai ser distribuído terá profunda influência no futuro da União. Por agora, as populações olham para os seus próprios estados que tentam gerir a crise sanitária (a UE não tem competências nessa área), o que está a criar laços nacionais que muito facilmente se podem tornar nacionalistas – com a ressalva que nem todo o nacionalismo é exclusivista, invejoso ou antieuropeu – caso a inércia europeia se estenda à fase da retoma económica e às arrecuas nas democracias de alguns estados membros.

Ou seja, nada mudou consideravelmente. Adensou-se. Mas esta aceleração vai obrigar a que se definam posições num prazo mais curto do que se previa. Vai a União Europeia recuperar o sentido de solidariedade? Vai a Europa definir posições em relação à China abrindo uma nova possibilidade de reavivar a relação transatlântica (que será mais fácil se Joe Biden for eleito)? Voltarão os Estados Unidos a retomar, mesmo que parcialmente, a liderança internacional? Estas perguntas não têm resposta nem o futuro está escrito. Mas o novo coronavírus vai forçar a que se defina muito do que vai influenciar o mundo nas próximas décadas.