Jean-Jacques Rousseau, um ícone da esquerda progressista em tudo o que escreveu excepto as páginas que dedicou à educação de Émile e Sophie, dizia que os homens e as mulheres são iguais em tudo o que diz respeito à espécie humana, mas diferentes e complementares em tudo o que diz respeito ao sexo. Difícil, acrescentava ele, era saber o que nos homens e mulheres pertence à espécie e o que neles pertence ao sexo.

O desafio para Rousseau e para a maioria das famílias portuguesas permanece intacto nos dias de hoje. Por um lado, reconhecer a medida certa da educação igual que se deve dar às crianças de ambos os sexos, a fim de poderem desenvolver a sua humanidade sem nelas se criar desigualdades artificiais. Por outro lado, saber a medida da educação desigual a dar aos rapazes e raparigas, a fim de não se violentar a sua natureza e poderem dar asas às diferenças que decorrem do facto de serem do sexo masculino ou feminino.

Opinião diferente é a que o Estado tem vindo a veicular nas escolas através da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. A tal que há não muito tempo “recomendou” à Porto Editora que retirasse de circulação dois livros que eram respectivamente dirigidos a rapazes ou raparigas. A mesma que tem enviado para as escolas de todos os ciclos, desde o pré-escolar ao ensino secundário, instruções muito concretas relativamente à orientação educativa que os professores devem dar em disciplinas tão diversas como a Biologia e a Filosofia, passando pelo Português, Educação Física, Artes  e tantas outras.

Não podendo negar as desigualdades sexuais “à partida”, mas tudo querendo fazer para as reprimir em nome da igualdade dos sexos “à chegada”, aquele organismo público transmite às escolas orientações que passam pela progressiva desnaturalização de ambos os sexos – masculinização das raparigas e feminização dos rapazes – até ao ponto em que ambos se consigam encontrar ali num entremeio de plena igualdade excepto nos seus traços anatómicos.

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É precisamente este contexto revolucionário e de duvidosa boa fé que os deputados à Assembleia da República devem ter em conta nas suas ponderações relativamente a duas propostas de lei do Governo, aparentemente distintas mas intimamente ligadas e mutuamente contraditórias, que vão por estes dias a votos: a possibilidade de as pessoas mudarem de sexo e nome no Cartão do Cidadão, agora com a alteração de não se exigir qualquer relatório médico que a justifique; e o aprofundamento da lei da paridade na composição das listas eleitorais dos partidos, que passarão a ter de incluir pelo menos 40% de mulheres (ou de homens).

Desde logo, a aprovação das duas propostas resulta na situação caricata de, por um lado, termos os partidos obrigados a compor as suas listas com pelo menos 40 mulheres e 60 homens (ou o inverso) por cada 100 candidatos, ao mesmo tempo que, pelo outro lado, poderão recorrer ao expediente de compor as listas com um sexo apenas desde que pelo menos 40% se dirijam ao registo civil e peçam para o mudar no Cartão do Cidadão. Todavia, por mais caricata que a situação possa parecer, as novas circunstâncias que decorrem da aprovação das duas iniciativas legislativas do Governo adquirem uma redundância ainda mais absoluta se forem olhadas através da lente com que a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género olha a educação dos nossos filhos e tenta dirigir o futuro das suas vidas.

A expressão lógica e final da educação proposta pelo Estado através daquela Comissão de Género é a instituição a prazo de uma espécie de homogeneidade sexual universal. Onde antes havia uma sociedade de homens e mulheres com qualidades morais fundadas na diferença e complementaridade dos sexos, passará agora a haver uma sociedade de homens e mulheres sem sexo, destituídos de toda e qualquer qualidade imaterial que sirva de objecto para a atracção mútua (a não ser o exotismo de uma eventual preferência pelo encontro de anatomias distintas ou iguais). Alguém ainda poderia argumentar, com uma réstia de optimismo, que a perpetuação da espécie obrigará ao necessário encontro reprodutivo entre os dois sexos distintos e complementares, mas até esta necessidade será facilmente superada com o recurso laboratorial à procriação artificial medicamente assistida que torna facultativo o encontro amoroso dos corpos do homem e da mulher.

Não é difícil concluir sobre a a irracionalidade das duas propostas de lei do Governo quando as avaliamos à luz da educação que o Estado está a promover nas escolas. Numa sociedade de homens e mulheres sem sexo, em que se instituiu a homogeneidade sexual universal, já nenhum homem terá razões para querer ser mulher e nenhuma mulher terá razões para querer ser homem, pois ambos já serão um e o mesmo homem-mulher, em tudo iguais excepto na anatomia dos sexos. E a mesma irrelevância terá a paridade nas assembleias representativas. Na ausência de quaisquer particularidades morais, intelectuais ou espirituais que distingam os homens das mulheres, alguém estará preocupado com a forma anatómica do sexo dos representantes eleitos? Afinal, o sexo enquanto mero órgão anatómico não pensa, não escolhe e não age, enfim, não tem ideias políticas e portanto não vota.

Não é impossível que haja deputados distraídos. Não é impossível que haja deputados que até reconheçam alguma bondade numa lei que promove a liberdade individual ao permitir que uma mulher que se identifica como homem, ou um homem que se identifica como mulher, possa mudar de sexo e nome no Cartão de Cidadão. E não é impossível que haja deputados que julguem que a desigualdade actual entre homens e mulheres possa ser minorada com uma maior expressão feminina nas assembleias representativas. Mas os deputados deveriam saber que as pessoas passivas e idiotas são presas demasiado fáceis das pessoas determinadas e espertas que promovem a agenda ideológica de igualdade de género. O nosso modo de vida natural, liberal e democrático não consegue sobreviver sem a acção resoluta de quem ainda não perdeu o contacto com a realidade e ainda a consegue olhar com olhos de ver.

Licenciado em Filosofia