A Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia – conhecida pelo acrónimo inglês de FRA (Fundamental Rights Agency) –, deu a conhecer, no pretérito 19 de fevereiro, o seu relatório sobre criminalidade. O estudo incidiu na recolha e análise de informação resultante de entrevistas a 35 mil pessoas nos atuais 27 Estados-membros, no Reino Unido e na Macedónia do Norte sobre o conhecimento direto que os entrevistados têm sobre crimes, exercício de direitos das vítimas e, ainda, sobre segurança pública.
Os crimes mais comuns e mais preocupantes para os europeus são os crimes de violência e de assédio, já que, lê-se no referido relatório, «mais de um em cada quatro europeus foi vítima de assédio e 22 milhões foram alvo de violência física no último ano».
Em geral, quem sofre esse tipo de crimes não os denuncia, relatam dificuldades em conhecer os seus direitos ou sentem-se incapazes de exporem o que sofreram. Seja pela burocracia existente na recolha das queixas; seja pelos procedimentos policiais, em geral pouco claros quanto às vítimas; seja por medo de represálias; seja, enfim, porque os agressores são gente intimidante.
A frequência de denúncias varia de país para país e reflete diferenças culturais e níveis de confiança distintos. Pessoas mais velhas, menos instruídas ou com dificuldades financeiras são menos propensas a exercer os seus direitos, a fim de que as autoridades competentes possam dar início aos procedimentos legais de combate aos agressores. Em face do exposto, concluiu-se, assim, que apenas um terço das vítimas de agressão física (30%) e um décimo das vítimas de assédio (11%) apresentam queixa nas esquadras de polícia.
Passear pelas ruas das cidades europeias – onde diariamente se multiplicam as chamadas «no go zones» – é cada vez mais problemático, sobretudo para as mulheres. Os números são instrutivos: «83% das mulheres entre 16 e 29 anos evitam ficar sozinhas em certos lugares, ou ir a certas ruas ou bairros, ou permanecer unicamente na companhia de outra pessoa. As jovens evitam locais que não frequentam habitualmente, por medo da sua segurança». Só em França, por exemplo, 21% das pessoas (homens e mulheres) sente insegurança, o que corresponde a 11,1 milhões de habitantes.
Dado importante, em termos de igualdade, mostra que as jovens mulheres não podem usar os espaços públicos da mesma forma que os homens, pela periculosidade das ruas por onde se circula.
O assédio, para a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao contrário do nosso código penal, é a prática ilícita contextualizada na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul) que o define como, e cito, «qualquer conduta indesejada verbal, não-verbal ou física, de carácter sexual, tendo como objetivo violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando esta conduta cria um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo».
O assédio faz com que as pessoas se sintam angustiadas, humilhadas ou ameaçadas, e pode ser cometido por um vizinho, por um colega de estudos ou de trabalho, ou por um qualquer estranho às relações pessoais ou sociais das vítimas.
Na Europa, a forma mais comum de assédio de que as pessoas são alvo envolve comentários ofensivos ou ameaçadores da prática de atos com violência ou, ainda, através de gestos ofensivos ou olhares inadequados. Com referência ao relatório, 32% dos inquiridos sofreu assédio, pelo menos uma vez nos últimos cinco anos. No mesmo lapso de tempo, 14% passaram por violência cibernética, ou seja, foram ofendidos ou intimidados por email, por comentários nas chamadas redes sociais, e 7% depararam-se com o seu nome emporcalhado, quando não mesmo verberado na internet. Quanto à idade, três em cada cinco pessoas (61%), situadas na faixa etária dos 16-29 anos, sofreu assédio e 27% conheceu o ciber-assédio. As práticas de perseguição, segundo o mesmo relatório, diminuem com a idade.
Uma em cada cinco mulheres (18%) são vítimas de assédio de natureza sexual em comparação com 6% dos homens. Quase três em cada quatro vezes (72%) desse preciso assédio, ele é praticado por alguém do desconhecimento da vítima.
Além disso, 57% das mulheres disseram que o assédio envolvendo atos de natureza sexual ocorreram em público – na rua, num parque ou noutro espaço aberto qualquer – em comparação com 30% dos incidentes de idêntica natureza ocorridos com homens. Em incidentes de assédio que não envolvam atos de natureza sexual, 77% dos homens e 58% das mulheres dizem que o autor do crime foi um homem (ou um grupo deles).
Quanto à violência tout court, o relatório indica que uma em cada 10 pessoas (9%) já a conheceu durante os últimos cinco anos, variando de 3% a 18% consoante o país. Mais de um terço da violência física contra mulheres (37%) ocorre em casa, com consequências de danos psicológicos em 69% dos casos.
Os jovens correm maiores riscos de sofrer violências físicas, em comparação com pessoas de outras faixas etárias. De facto, um em cada quatro jovens (23%), com idades compreendidas entre os 16 e os 29 anos foi vítima de brutalidade nos últimos cinco anos. Noutros níveis etários, uma em cada 10 pessoas, ou menos, já passou por violência física no mesmo período.
Outro dos grupos que sofreu violência física em taxa maior do que a média para toda a população (22%) inclui as pessoas que se inserem nas designadas minorias, isto é, pessoas que se identificam como lésbicas, «gays», bissexuais ou outras (19%), para além das que padecem de limitações às suas atividades habituais devido a problemas graves de saúde ou de deficiência (17%).
A maioria dos homens vítimas de violência física não sexual (42%) não conhece o seu agressor, de acordo com o mesmo relatório. No entanto, as mulheres são vítimas, na maioria dos casos, de um familiar ou de um companheiro, de um ex-companheiro ou de um namorado (32%).
As mulheres que já sofreram violência física (excluindo a violência sexual), conheceram-na, amiúde, em sua própria casa (37%), ao passo que os homens, frequentemente, sofrem-na em ambientes abertos (39%), como ruas, parques ou outros lugares públicos.
Creio que estes números falam por si, restando-me apenas aduzir que os resultados apresentados são extremamente úteis, uma vez que significam os primeiros dados sobre as experiências das populações da União Europeia, do Reino-Unido e da Macedónia do Norte que já conheceram crimes de violências várias ou de assédio. Representarão esses dados, talvez, um passo decisivo para a efetivação de políticas e eventual aprovação de instrumentos legislativos que permitam uma adequada proteção dos seus habitantes, como a Plataforma para os Direitos das Vítimas, prevista na estratégia da UE para o quinquénio de 2020-202.Todos queremos uma Europa que seja um lugar onde as pessoas se sintam livres, seguras e protegidas nos seus direitos, e não uma Europa de violências.