Toda a morte é triste. Essa é uma verdade universal. Ou não? Confesso que me pergunto se essa realmente deveria ser uma premissa tão absoluta em todos os casos. Obviamente não estou falando da estupidez que existe no pensamento de alguns, que julgam que certas pessoas “merecem morrer”. Longe disso. Simplesmente há certas situações nas quais determinadas mortes não deixam de ser relevantes – e não deixam de causar impacto a uma série de pessoas – mas, que dado o contexto, não se trata de nenhuma desgraça.

Há muitas vidas nas quais já não há qualquer qualidade para se existir. Há vidas nas quais não há expectativa de melhora em uma situação de sofrimento. Há pessoas que já viveram o bastante, e estão nitidamente com vontade de descansar de forma definitiva (e não, não se trata de tender ao suicídio, mas da simples espera pelo final dos seus dias). Existem situações nas quais a transição da vida para um outro plano pode ser, de certa forma, uma espécie de final feliz.

Mas parece que existe uma patrulha do sofrimento. Existem fiscais do lamento, sobretudo em sociedades nas quais determinadas religiões exercem um poder muito intenso. E talvez por isso exista uma espécie de piloto automático que nos faz automaticamente dizer que toda a morte é uma desgraça, uma dor, um problema – e talvez todos nós precisemos rever esse conceito.

Obviamente a morte da rainha Elizabeth traz uma série de consequências políticas, econômicas e sociais que precisam ser analisadas mais delicadamente. Mas muita gente lamenta pura e simplesmente o fato de uma senhora de 96 anos falecer, como se isso fosse uma espécie de obrigação moral. Note-se: há uma longa distância entre homenagear sua existência e lamentar sua morte. Foram décadas e décadas de trabalho (e de uma vida cheia de sentido), mas obviamente também já existia algum cansaço, alguma vontade de repousar, quiçá de encerrar a caminhada.

Muitas vezes penso nisso sobre a minha própria avó chegando aos 94 anos, evidentemente cansada, com qualidade de vida reduzida e tantas limitações físicas. Sou absolutamente apaixonada pela minha avó e há anos me pergunto quão enorme será a falta que um dia ela me fará. Mas dentro da imensidão do meu amor por ela, cabe a capacidade de, quando chegar seu aniversário em novembro, não pedir aos deuses e astros que lhes deem muitos anos de vida. Ela não quer muitos anos de vida. E não há nada de errado nisso. O que peço é a melhor qualidade de vida possível nessa fase que ela atravessa e, em algum momento, uma passagem serena.

A vida da minha avó sempre deverá ser celebrada. A vida da rainha também. E a vida de quem servia o chá para ela também. Mas talvez nós não precisemos desse piloto automático que associa a morte automaticamente a um sofrimento. Por vezes ela é, de fato, uma desgraça. Em outros momentos, não. Às vezes ela pode ser um repouso merecido, um alívio na dor ou na exaustão. Às vezes pode haver beleza no pôr do sol, como bem disse Fernando Pessoa, porque o dia também morre e é bela a noite que fica.

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