Porquê falar dos Távoras ou mais precisamente do seu azar quando há tanto para comentar? Por exemplo, comentar a maioria absoluta governamental que cada vez mais se assemelha àquele elevador-aquário de um hotel alemão que, atacado por uma inexplicável fadiga dos materiais, se desintegrou.

Ou, ainda mais urgente, para quê ir tratar dos Távora quando temos aí a pairar esse conceito de “famílias mais vulneráveis” usado agora para definir o grupo que vai receber o apoio de 240 euros anunciado pelo Governo. As “famílias mais vulneráveis” sucedem, nesta linguagem da solidariedadês, aos carenciados que por sua vez haviam sucedido aos desfavorecidos que já tinham eles mesmos sucedido aos mais necessitados que anteriormente eram os pobres e oprimidos ou apenas pobres. A variação dos termos distrai-nos do essencial: está a aumentar a percentagem de pessoas em risco de pobreza. Sem apoios sociais, 4,4 milhões de portugueses são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza. Com apoios este número passa para 1,9 milhões, o que não deixa de ser imenso. Ou seja o país multiplica os apoios sociais para escamotear a principal questão: as “famílias mais vulneráveis” que já se chamaram carenciados, isto depois de terem sido desfavorecidos, mais necessitados, pobres e oprimidos ou apenas pobres não conseguem pelos seus meios quebrar o ciclo da pobreza. E o que fazem os Távora assumidamente ricos aqui no meio deste texto? Os Távora, eles mesmos, pouco ou nada, o que designamos como seu azar tudo ou quase. E que diz mais sobre o país do que sobre eles mesmos.

Mas o que é ou foi o azar dos Távora?  Recuemos a 3 de Setembro de 1758, quando, pelas onze e meia da noite, uma pequena carruagem que seguia em direcção ao Alto da Ajuda é emboscada. Trocam-se tiros. Dentro da sege, o rei dom José fica com feridas abertas no braço direito. Donde vinha o rei de noite, sem escolta, numa sege modesta que não era sua, numa semana em que a corte observava luto rigoroso pela morte da irmã do rei e rainha de Espanha pelo casamento? Esse era muito provavelmente o segredo mais mal guardado da corte. Muito provavelmente D. José regressava de um encontro com dona Teresa, mulher do marquês “novo” de Távora. A pública recusa dos Távora em aceitar esta situação, a par da sua contestação ao ministro, fragiliza-os.

Não é de imediato que se fala de atentado. Primeiro diz-se que o rei está doente. Na verdade, entre Setembro e Dezembro de 1758 aparentemente nada acontece, mas nos bastidores Sebastião José de Carvalho e Melo monta o cerco aos Távora, A 9 de Dezembro assume-se oficialmente a existência de um atentado contra o rei e é criado o tribunal para investigar, julgar e executar os seus autores.

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A 13 de Dezembro de 1758 são presos os marqueses de Távora, as suas filhas, filhos, genros, netos, alguns dos seus criados. Também são presos os duques de Aveiro. A acusação é alta traição e regicídio. O processo é uma formalidade atabalhoada a justificar as sentenças que já estavam decididas. (Um procedimento que Pombal já exercera um ano antes na repressão ao motim dos taberneiros do Porto.) As condenações não se fizeram esperar. As armas da família Távora foram picadas. Os seus bens confiscados. O palácio do Duque de Aveiro, em Belém, foi demolido e o terreno salgado.

Quando no dia 13 de Janeiro de 1759, num campo próximo da Torre de Belém, a marquesa dona Leonor, dom Francisco de Assis, marquês de Távora, os seus filhos … começaram a subir ao cadafalso que aí fora montado, para serem publicamente torturados e executados, entre os que assistiam àquela cena nem todos acreditariam nas culpas que eram imputadas aos Távora (o caso do duque de Aveiro é diferente pois a arma que disparou contra dom José pertencia-lhe. Outra coisa é se a emboscada em que o duque de Aveiro pode ter tido um papel se destinava ao rei ou a um homem da confiança do rei e dono da sege onde dom José viajava incógnito). O passar do tempo acrescentou essas dúvidas. Os Távora acabariam a ser inocentados no reinado de dona Maria.

Não recuperaram título nem bens mas deram essa expressão à linguagem comum: “azar dos Távora” tornou-se sinónimo de alguém que sendo vítima inocente dos abusos por parte do poder não pode contar com justiça ou reparação. O que lhe aconteceu não foi uma prepotência mas sim um azar. Quase uma aselhice da sua parte que não soube fintar o  destino.

Os tempos mudaram mas não a forma como reagimos: aceitamos os abusos do poder. Quanto às vítimas desses abusos elas não são vítimas são pessoas azaradas. Pessoas que deram nas vistas, que foram longe de mais nas suas críticas. O azar dos Távora somos nós ao espelho.

PS. Para a semana esta crónica vai levedar como as filhoses. Bom Natal.