Portugal vai ter o seu Casamento Real. E isto seria um acontecimento se não houvesse outras leituras que numa altura como esta devemos saber fazer.
Diria que a leitura principal que está por detrás do acontecimento é a constatação de que Portugal tem um Rei. Ou, melhor ainda — que Portugal tem uma Família Real.
O que não deixa de representar para todos os que beneficiam da condição de portugueses, um elemento de agregação, de unidade e de partilha. Todos estamos juntos na mesma história, na mesma língua e na mesma cultura. Todos partilhamos este referencial que é nosso e que foi de todos os portugueses antes de nós. Todos podemos vivenciar uma história e um património cultural e afectivo que incorpora de forma indelével a nossa identidade.
Por isso, como se faz na boa culinária reservemos. O quê, perguntarão? A ideia de um Rei que representa a nossa identidade e a nossa universalidade. Um Rei que convoca e que promove o nosso reencontro com a história. Um Rei ou uma Família Real que representam no fio do tempo o nosso essencial elemento de agregação e de partilha geracional.
Fixemo-nos, pois, no Rei que une e que representa. Um Rei com quem nos identificamos na amável condição que partilhamos com todos os nossos conterrâneos. Um apogeu metafisico que se fixa no tempo e no espaço como sinal ou farol da nossa existência como Povo.
Reservadas que estão as primeiras virtudes passemos para outra dimensão: Este referencial constitui, por outro lado um elemento de permanência e de compromisso. A permanência que se traduz numa tranquila continuidade na acção e na coesão social que incessantemente promove, mas também na forma como confere estabilidade e experiência aos actos e funções que dele naturalmente emanam. É esta continuidade que confere às Nações e aos Estados notoriedade e prestígio tão relevantes num mundo globalizado em permanente relação e cooperação. Todos percebem que qualquer pessoa de qualquer País europeu ou mundial sabe quem é o Rei de Espanha ou o Rei de Inglaterra. Muito poucos saberão quem é o Chefe de Estado de Itália ou o Chefe de Estado da Alemanha para falar apenas nos Países mais relevantes.
Curiosamente é este compromisso biunívoco entre o Rei e o Povo que confere ao Chef de Estado a legitimidade que só aparentemente poderia faltar. A tal dificuldade que muitos apontam às Monarquias de não escolherem o Chefe de Estado é superada por esta aliança não escrita entre o Rei o Povo que tem a primeira confirmação no momento relevantíssimo da aclamação. A altura em que o Povo sufraga o seu Rei que lhe não foi imposto por um dos dois maiores partidos como ocorre na Eleição do Chef de Estado, por exemplo em Portugal. Depois da Revolução todos os Chefs de Estado civis foram anteriores líderes do PS ou do PSD. Onde está a liberdade de escolha (?). E também todos foram sufragados com votações reforçadas no segundo mandato – o que confirma o valor que o Povo dá à continuidade em tudo o que ela tem de relação e de confiança.
Reservemos, pois, o valor da continuidade em tudo o que ele induz de estabilidade, de conhecimento, de notoriedade e de competência. E reservemos ainda a ideia do compromisso, num entendimento de serviço público e não de carreirismo político, numa assunção de que por vezes a legitimidade tem outras formas mais genuínas de se expressar. Não escolhemos os nossos Pais, mas todos os dias eles nos dão provas do sentimento que os fez serem Pais. E por isso, sem votar neles, não queremos outros. Assim também o Rei cuja legitimidade não é feita por uma parte mais pequena da população de 5 em 5 anos, mas por todos, em todos os momentos do compromisso que estabeleceram com o Povo.
Vai longo este artigo e ainda quero chamar a atenção para mais um núcleo de virtudes que envolvem a figura do Rei. Falo da sua independência, isenção e suprapartidarismo. Não quero focar esta reflexão no nosso Chefe de Estado, nem discutir se o estilo menos contido, mais de comentador, atacando tudo o que mexe, casa bem com a função que deve exercer. Nem muito menos as paixões e amuos que cultivará com o Primeiro Ministro por serem de famílias políticas em permanente contenda.
O que quero relevar é como pode alguém que emerge de uma das partes garantir isenção na regulação das Instituições e dos Órgãos de soberania? Como pode ser árbitro da vida política alguém que foi capitão de uma das principais equipas em competição? Como pode ser isento, em suma, alguém que é refém permanente do sistema partidário que o ajudou a eleger?
De tudo o reservado que está muito longe de esgotar os ingredientes possíveis, podemos ver a outra dimensão do Casamento Real. O dia 07 de Outubro, dia em que casa SA a Infanta Dona Maria Francisca, é um dia de Festa para os Portugueses, mas deveria ser também um dia de reflexão para Portugal.