Subserviência. Servilismo. Eu diria mesmo parolice. A notícia do Expresso de que a Câmara de Lisboa cedeu um espaço, a pagar mais  tarde, não se sabe em que moldes nem a que preço, para Madonna estacionar os seus 15 carros perto do Palácio do Ramalhete, na rua das Janelas Verdes onde mora com os filhos, é uma autêntica bajulação humilhante. Só Eça conseguiria encontrar as palavras certas para isto. Roubo-lhe “pilhéria”. Mas é mais que isso. É algo inaceitável.

Comecemos pelo princípio. É inegável a importância que o turismo está a ter para a economia do País. E é também óbvio que a porta de entrada para que Portugal tenha ficado na moda é Lisboa. Entre umas campanhas pagas numas revistas estrangeiras da especialidade — quem não se lembra dos primórdios disto tudo com o Allgarve de Manuel Pinho e aquela foto na piscina com o Michael Phelps –, mais uns tantos anúncios apelativos das nossas paisagens únicas, a primavera Árabe e a insegurança em alguns países mudou os roteiros internacionais e colocou-nos na rota dos melhores destinos do Mundo.

E isso é bom. Finalmente já não somos só conhecidos pelas praias do Sul e das cervejas baratas. Nem pelo surf. Ou, no polo oposto, pelo golfe. Mesmo com alguns contras — que nestas coisas há sempre exageros (sim, já sei que o mercado imobiliário está pela hora da morte) –, fomos invadidos pelo turismo de massas, que descobriu, de Lisboa ao Porto, um País com história. “O” País. Choveram artigos, agora já de geração espontânea e não pagos pelos cofres do Estado, nas melhores (e piores) revistas do mundo, e foram elas que nos trouxeram não só Madonna, como Bellucci, Fassbender, Cantona, Louboutin ou Malkovich, entre outros.

Claro que Madonna teve mais impacto. Não só por ser mais mediática. Como por estar constantemente a colocar vídeos e fotos nas redes sociais. Da noite de Lisboa. Dos seus passeios pela Comporta. Da procura de casa entre a capital e Sintra. Do filho que ia ver jogar pelo Benfica à Luz e ao Seixal.

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Mas se já tinha sido ridículo que, em Maio de 2017, Fernando Medina tivesse aceitado receber a cantora num encontro de cortesia para lhe dar as boas-vindas à capital (deve ter a foto na estante), quando não há notícia de que tenha feito o mesmo com as restantes estrelas, não há palavras para adjetivar o que fez agora. Segundo o DN, o contrato até foi apenas por palavras, não há documentos, nada que depois possa comprometer a Câmara ou, claro, o seu presidente ou qualquer vereador.

Mas há mais detalhes verdadeiramente inacreditáveis na história. Foi a Câmara que pediu ao Museu Nacional de Arte Antiga que cedesse parte do seu estacionamento à estrela pop (um detalhe: o Observador não tem nenhum lugar de parque fixo, porque a Câmara lho recusou). O diretor do MNAA (parece que ainda há alguém com bom senso) recusou e (digamos assim) sugeriu que fosse então a Câmara a oferecer-lhe um espaço camarário. Simpaticamente até sugeriu um local: as traseiras do Palácio Pombal.

Mas esperem que isto ainda não acaba aqui. A justificação da autarquia, dada ao Expresso, é mesmo de ir às lágrimas. Explicaram que o dito espaço já foi “disponibilizado a outras entidades, nomeadamente ao Ministério da Cultura”. Olha, Madonna, parece que já és uma entidade em Portugal. Um Ministério. Um vulto Cultural (assim mesmo, com maiúscula). Ou qualquer coisa do género.

Numa outra qualquer altura isto podia ser apenas mais uma situação a esclarecer com urgência, além de ridícula e patética. Quando acaba de se conhecer, através da operação Tutti Frutti, que PS e PSD acordaram distribuir boys pelas juntas de freguesia da capital para depois fazerem ajustes directos e outras negociatas, este é um assunto grave. Demasiado grave. E Medina tem de dar explicações. Já. E deixar de nos dar música.