1 Uma das desgraças do Portugal de hoje é ter os antigos defensores das diversas versões do totalitarismo comunista transformados em grandes defensores da Democracia. Os inimigos de sempre do sistema capitalista, os cegos de ontem que confundiam uma ditadura com uma ‘democracia avançada’ e os autistas que ainda há pouco tempo defendiam que a revolução bolivariana de Hugo Chavéz era sinónimo de prosperidade económica — são estes os novos defensores do Estado de Direito.
O conselheiro Francisco Anacleto Louçã é um desses ilustres revolucionários do passado que hoje estão fantasiados de social-democratas. Com o verbo fácil, moralista e demagogo que sempre o caracterizou, transformou-se num simples e burocrático situacionista. Membro do Conselho de Estado e do Conselho Consultivo do Banco de Portugal por indicação do PS e do Governo, o conselho Anacleto é hoje uma espécie de porta-voz do poder instituído.
E o que anda a preocupar o conselheiro Anacleto? A Justiça, mais concretamente esse perigoso juiz chamado Carlos Alexandre e o facto de querer ouvir o primeiro-ministro António Costa no âmbito da instrução criminal do caso de Tancos. Tanta é a sua preocupação (e ansiedade) que desferiu um ataque que tem tanto de soez como de canalha contra Alexandre no seu último comentário de 2019 na SIC Notícias (ver aqui entre os 11m55s e os 18m35s)
E o que diz o conselheiro Anacleto? Que o juiz quis criar um “incidente político” ao pedir ao Conselho de Estado para ouvir presencialmente o primeiro-ministro António Costa e que o magistrado tem alguma coisa a ver com um “site do Facebook” (sic) chamado “Apoio ao Juiz Carlos Alexandre” que o próprio conselheiro Anacleto diz que tem “algumas dezenas de milhares de seguidores do Chega e de outros grupos de extrema direita que se organizaram a partir daí.”
Duma assentada, o conselheiro Anacleto cola o juiz Alexandre de forma gratuita à extrema-direita, alega que o juiz tem intenções totalitárias e defende (sem concretizar ou fundamentar) que o magistrado costuma desrespeitar a lei com as suas decisões — uma matéria que notoriamente tem escapado aos desembargadores da Relação de Lisboa. O conselheiro Anacleto é um artista!
2 Um bom radical tem duas características inatas: a desonestidade intelectual e uma tendência natural para a manipulação dos factos. É difícil encontrar um melhor exemplo vivo do que o conselheiro Anacleto.
Basta ver que num processo judicial em que um ex-ministro da Defesa Nacional está acusado de ter sido cúmplice dos líderes da Polícia Judiciária Militar (PJM) nas negociações com o grupo de assaltantes dos paióis de Tancos que culminaram com o ‘achamento’ do material roubado e num processo em que os procuradores que investigaram o caso foram proibidos de inquirir Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa sobre o seu conhecimento sobre o caso — o conselheiro Anacleto faz lembrar o camarada Brejnev ao inventar que o juiz de instrução é um agente infiltrado da extrema-direita. Só porque Carlos Alexandre quer ouvir presencialmente o primeiro-ministro.
Afinal, do que tem medo o conselheiro Anacleto? Que o tribunal tente descobrir a verdade material sobre o conhecimento de António Costa sobre o caso — quando o primeiro-ministro é uma testemunha indicada pelo seu ex-ministro Azeredo Lopes? Que o Ministério Público ou os advogados dos outros arguidos façam perguntas incómodas a Costa sobre a relação próxima que tinha com Azeredo?
Pior do que isso é a visão do conselheiro Anacleto sobre o que deve ser um juiz. Confrontado pela jornalista Ana Patrícia Carvalho com o óbvio — se o depoimento for por escrito, o juiz não poderá contestar as respostas de António Costa —, o fundador do Bloco de Esquerda responde: “O juiz não pode contestar as respostas. Isso não compete a um juiz. O juiz faz as perguntas e regista as respostas”.
É certo que Anacleto é economista de formação mas não saber a diferença entre um juiz e um oficial de justiça é de uma ignorância atroz. Como pela boca morre o peixe, talvez seja realmente assim que o conselheiro gostaria de ver expresso na lei o papel do juiz: como alguém que “regista as respostas”. Pelo menos, as do primeiro-ministro António Costa.
Não, sr. conselheiro Acácio, desculpe, sr. conselheiro Anacleto, o juiz de instrução criminal dirige a segunda fase do processo penal e tem a obrigação de fazer todas as perguntas que entender para escrutinar a acusação do Ministério Público que os arguidos estão a contestar através da inquirição de testemunhas e produção de prova em audiência . Tal como pode determinar a extração de certidões de eventuais novos factos que venham a ser descobertos durante a fase de instrução criminal. Por muito que fosse esse o seu desejo de novel situacionista do regime, nem todos os magistrados pensam como o procurador-geral adjunto Albano Morais Pinto que não quis incomodar Marcelo e Costa devido à sua “alta situação”.
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É igualmente muito estranho que o conselheiro Anacleto ataque o juiz Carlos Alexandre por “algumas decisões muito polémicas do ponto de vista da atuação jurídica” que não indica nem concretiza — e omita as 11 derrotas quase consecutivas que o juiz Ivo Rosa, um dos colegas de Alexandre no Tribunal Central de Instrução Criminal, já teve na Relação de Lisboa.
Não se percebe que Anacleto, tão preocupado que está com os juízes que não respeitam a lei, fique em silêncio perante as acusações de diferentes desembargadores de que o Ivo Rosa exorbita as suas funções, invade o campo das competências de exclusivas do Ministério Público e impede os procuradores de investigar. Ou nada diga por Rosa ter perdido mais de 60% dos recursos num só processo.
É bonito ver que o conselheiro Anacleto partilha com José Sócrates, nem que seja pela omissão, a defesa que faz do juiz Ivo Rosa. São estas ironias do tempo que aproximam velhos rivais políticos — ao mesmo tempo que desprestigiam os políticos pela forma seletiva como apontam o dedo a quem lhe dá mais jeito atacar politicamente.
E a situação do caso Manuel Vicente em Angola? O conselheiro Anacleto nada tem para dizer sobre o facto de as autoridades angolanas terem colocado na gaveta a acusação de corrupção ativa de um procurador português que fizeram tudo para que fosse enviado para Angola? Os dois pesos e duas medidas que o Presidente João Lourenço está a ter com Isabel dos Santos e Manuel Vicente não desperta o seu instinto contra a injustiça e a desigualdade?
O conselheiro Anacleto, que tem sempre o seu dedo moralista pronto para apontar a tudo e a todos, nada tem para censurar a Marcelo Rebelo de Sousa e a António Costa sobre a pressão que colocaram sobre o poder judicial português para que os autos do caso Manuel Vicente fossem enviados para Luanda? Não diz o óbvio: Vicente deveria ter sido julgado em Portugal, já que foi acusado enquanto ex-presidente da Sonangol, logo não tem direito a qualquer imunidade?
Coitado do país que dependa do conselheiro Anacleto e das suas críticas seletivas e intelectualmente desonestas. Anacleto adaptará sempre os seus princípios às respetivas necessidades do momento. Porque essa é outra característica dos extremistas: o oportunismo.
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