É um dos maiores desafios que o País tem pela frente, conseguir vacinar sem problemas nem atrasos pelo menos 60% da população. A esperança que nos resta é que temos por tradição responder bem a grandes desafios. Porque se a vacinação se atrasar demasiado, se formos ultrapassados pelos nossos parceiros, a recuperação está ameaçada. E sem a economia a crescer chegarão problemas ainda mais graves. Como o regresso da atenção dos financiadores à nossa colossal dívida.
Esta é a primeira vez que o mundo vacina uma população em plena pandemia. O esforço hercúleo da comunidade científica, aproveitando nomeadamente investigação que estava a decorrer, como é o caso da vacina da Pfizer/BioNTech, permite-nos avançar para uma operação igualmente hercúlea para todos os países. Mas vale a pena moderar o optimismo, tal como têm recomendado quer o Presidente da República como o primeiro-ministro.
Além de garantir que tudo vai correr bem, é preciso fazer todos os esforços para não nos atrasarmos. Não é, obviamente, com conforto que olhamos para o desafio que nos espera. Temos uma tradição de desorganização, de falta de capacidade de planeamento e graves problemas de trabalhar de forma coordenada e em equipa. Estas características transversais a toda a nossa comunidade são ainda mais graves no Estado, que vai ficar com a tarefa da vacinação, pelo menos na primeira fase. Resta-nos a esperança da também tradicional capacidade de responder bem a grandes desafios.
O plano de vacinação está feito nas suas linhas gerais e Francisco Ramos, o coordenador da equipa, dá-nos garantias pela sua longa experiência de serviço público na área da saúde. O facto de termos os militares envolvidos é um motivo adicional de conforto. É no terreno, quando for a hora de vacinar, que o processo pode correr mal. Porque é preciso identificar as pessoas, ir aos sítios, garantir que são contactadas para tomarem a segunda dose. Esperemos que o Governo contrate as pessoas necessárias e não se atrase nessa última fase de operacionalização da vacinação, como aconteceu (ou ainda acontece?) no rastreamento, em que houve muitos anúncios e pouca concretização.
Se os outros, nomeadamente o Reino Unido que inicia a vacinação já esta segunda-feira dia 7 de Dezembro, forem bastante rápidos, isso pode contribuir para a nossa recuperação. Como salientou João Duque no Webinar da Coface, “Que futuro para a economia portuguesa no período pós-Covid”, a vacinação rápida dos britânicos permitirá ao turismo ter perspectivas mais favoráveis no próximo Verão, especialmente no Algarve. O que é uma excelente notícia, desde que nós não nos atrasemos tanto que assustemos quem tinha a intenção de nos visitar.
O cenário de pesadelo é termos dificuldades na vacinação enquanto nos outros países europeus tudo corre bem. Nesse caso seremos um país a evitar quando chegar o Verão, e o turismo terá mais um ano de pesadelo. Como consequência, veremos as economias europeias a recuperarem enquanto nós continuaremos condicionados pela pandemia. Nesse quadro, corremos o risco de ainda não estar preparados para o regresso das regras europeias em matéria de finanças públicas e, pior ainda, enfrentamos o cenário de terror de os investidores financeiros começarem de novo a olhar para a nossa dívida pública.
Não devemos criar expectativas demasiado altas, mas estar sincronizado com os restantes países europeus tem de ser a nossa ambição. Garantiremos assim que aproveitamos o impulso de retoma dos outros, alimentando igualmente a nossa recuperação. Claro que nada disto significa que em 2021 deixaremos de andar de máscara, de garantir o distanciamento físico e de lavar as mãos com frequência. Talvez, quem sabe, depois do Verão. Mas para termos o mundo como o conhecíamos, viajando confiantes por todo o lado, só deverá acontecer em 2022. Temos ainda um longo caminho a percorrer ainda, com este pesadelo que tem feito deste ano o pior das nossas vidas.