Tornou-se evidente que nada é como era. E é manifesto que nada voltará a ser como foi. Longe vão os tempos em que o projecto europeu se confundia com a Europa Ocidental e em que a maior preocupação externa dos EUA era a paz europeia. Muito atrás na história ficou a ideia de uma China pobre e de um Oriente longínquo, onde só o Japão tinha relevância económica. As distâncias encurtaram-se, a aldeia tornou-se verdadeiramente global e o seus efeitos nas nossas vidas vão ser ainda mais intensos do que sentimos hoje.

Atravessamos uma época de grandes transformações que não sabemos como vão terminar, se é que essas mudanças radicais não se vão tornar constantes. Independentemente disso, há um equilíbrio que é preciso encontrar para que as comunidades e os estados não percam o pé. Aliás, é precisamente o que a Rússia e a China pretendem: um novo equilíbrio de poder que as favoreça.

É indispensável que o Ocidente tenha consciência que esse novo equilíbrio é inevitável. Não há volta atrás. Não há maneira de regressarmos ao passado, embora seja possível adaptá-lo ao presente.  Cabe-nos, antes de mais, perguntar o que não queremos. Que tipo de regras internas são para nós imprescindíveis. A democracia e o modo de vida liberal que temos vindo a construir desde há 200 anos são a base da resposta a essa pergunta. Isso pressupõe que governos e oposições ouçam os cidadãos, os seus problemas, as suas inquietações, que os representem e que desenhem políticas que caminhem ao encontro dessas necessidades, sem que se ponha em causa a essência da democracia e do modelo liberal.

Externamente, também há aspectos acessórios que o Ocidente terá de prescindir de modo a manter o essencial. Como é que a União Europeia vai lidar com a Rússia e não correr o risco de se desintegrar? O que pensa o Ocidente fazer para diminuir a influência russa em África? O que tencionam os governos europeus fazer de forma a não se condicionarem excessivamente por Pequim? Qual o papel da Ásia Central e como é que ela pode jogar a nosso favor? Que palavra quererá ter a Índia nos próximos cinco, dez anos? E como é que isso nos pode ajudar?

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Estou a terminar a leitura de um livro que, sem receio de me enganar, considero já o melhor deste ano. “Metternich, Strategist and Visionary”, do historiador alemão Wolfram Siemann, tem por base documentos oficiais e pessoais inéditos do chanceler do Império Austríaco que o mostram, não como um reacionário ultraconservador, mas sim um europeu que, quer no combate a Napoleão quer na construção de um novo equilíbrio no continente, procurou acomodar o liberalismo às novas correntes nacionalistas, de modo a que estas não o pusessem em causa.

Não trago este livro para aqui apenas porque gostei de o ler, mas porque os desafios que Metternich enfrentou e o modo como os confrontou são um bom guia para os nossos tempos. Metternich nasceu em 1773, presenciou a Revolução Francesa, as guerras napoleónicas, construiu a paz saída de Viena em 1815 e procurou evitar que a Alemanha se confundisse com uma ideia de nação desenhada e centrada na Prússia. Quando morreu, em 1859, o mundo era muito diferente daquele que conheceu quando criança. Quem olhe para a história de uma forma superficial dirá que Metternich perdeu em toda a linha. O império Austríaco colapsou com o surgimento das nações, a capital da Alemanha é Berlim e a Rússia não deixou de ter um peso no centro do continente europeu. Mas a verdade é que Metternich estava certo: a Prússia como dona e senhora da Alemanha esmagou a diversidade germânica, destruiu a harmonia na Mitteleuropa, conduziu a Europa a duas guerras mundiais e foi um tiro no pé na influência dos europeus no mundo.

Até a solução que Metternich estabeleceu para a Confederação Alemã, em 1820, é, de certo modo, a que serve de base à actual União Europeia. A Europa construída no pós-guerra contém o selo da sua inspiração como meio de acomodar a Alemanha. E é por isso que o trago aqui. Não só porque as crises de hoje foram vividas ontem, mas porque os efeitos das respostas nem sempre são imediatos. Requerem a oportunidade e o momento certo para se afirmarem e o nosso trabalho acaba por ser, por vezes, o de simplesmente preparar o terreno.