Escrevo a 1 de Abril. Isso significa que Portugal atravessou um mês com a pandemia do coronavírus e as dezenas de milhar de mortes que tem feito pelo mundo. Por ora, menos de 200 em Portugal. O primeiro óbito ocorreu na 2.ª feira 16 de Março – o dia em que as escolas foram fechadas. Já falámos desse episódio em que o primeiro ministro deu o dito por não dito depois de um Conselho de Saúde Pública dizer no dia 12 que não valia a pena fechá-las. Os membros do tal Conselho já deviam saber pela experiência dos outros países que as crianças não iriam morrer, como felizmente não morreram até agora. Não era pois forçoso que ficassem em casa desde que se protegessem devidamente. É curioso mas é assim.
Desde então, nas duas últimas semanas de Março o número de óbitos –subavaliado pela DGS devido ao que se passa nos «lares de idosos» – subiu para 187. Dos 27 óbitos de ontem todos menos um eram de pessoas com mais de 70 anos. Embora a contabilidade da DGS só atribua 21% dos «casos confirmados» àquele grupo etário, sabe-se que a percentagem de «idosos» que morreram é muito mais elevada: ao todo, 65% dos falecidos tinham mais de 80 anos, o que confirma a tendência da mortalidade em Portugal, onde os mais de 70 anos representam dois-terços dos óbitos anuais da população.
Por outro lado, com uma taxa de letalidade de 2%, o número de óbitos ocorridos até agora corresponde a 13 pessoas por dia, o que felizmente representa apenas 4% dos 300 óbitos diários que há em Portugal. Algumas pessoas que sucumbiram à epidemia podiam ter falecido de uma doença própria da idade. Na realidade, o impacto desta pandemia na mortalidade portuguesa é, por ora, negligenciável e afecta basicamente os estratos mais idosos de uma já de si população envelhecida.
Com efeito, a pandemia continua a afectar o mundo inteiro pelo seu carácter contagioso e pelo medo, para não dizer o pânico, que o contágio provoca. É o pânico que tem dominado o comportamento da maioria dos governos, como o nosso cedeu, por influência externa, à imposição do «estado de emergência». Foi isso que multiplicou o receio natural que todos temos das doenças, em especial as contagiosas. Faz pensar na peste mas, felizmente, não é a peste. Por mais que a situação se prolongue, a letalidade deste vírus é felizmente baixa. Entretanto, a farmacologia não está parada mas levará um ano a pôr a vacina no mercado.
A propósito do mercado, este tem sido a outra grande vítima da pandemia, provocando na maioria dos países consequências nefastas e dificilmente recuperáveis a médio-prazo, especialmente se a «emergência» prosseguir até chegar a vacina. A situação da economia mundial já é a que é e só piorará sem luz à vista. Entretanto, os responsáveis pela «contenção» continuam sem estratégia, adoptando a atitude própria de um sistema de saúde sub-financiado, sub-dimensionado e sub-equipado. Ora, a forma como a pandemia funciona entre a população não é de ordem meramente sanitária mas sobretudo sócio-económica e devia atender à grande diversidade da densidade demográfica do país.
A única vez que se atendeu a estes factores primordiais da difusão do vírus foi quando alguém evocou a possibilidade de um «cerco do Porto» mas a politiquice do costume sabotou o plano. Se o Porto e os concelhos envolventes até às cidades de Braga e Guimarães contêm 45% dos «casos» e Lisboa mais meia-dúzia de concelhos da margem norte do Tejo contêm 20%, num total de dois-terços dos «casos» em Portugal, não é por acaso. É por razões de densidade populacional e, se a região do Porto está ainda pior que a de Lisboa, é por razões sócio-económicas relativas às actividades industriais ou terciárias de cada região, multiplicadas pelas diferenças de qualificação e de rendimento. Fariam mais sentido esses dois «cordões sanitários» do que continuar a «quarentena».
A própria estrutura etária da população portuguesa fundamenta esta abordagem: até aos 20 anos, são 2 milhões de crianças e jovens que o vírus não ataca e, se ataca, não mata; dos 21 aos 64, há 6 milhões dos quais só 5 trabalham; e a partir dos 65, há 2 milhões de reformados e pensionistas; ao todo, 5 milhões trabalham e outros tantos não. Só o regresso da população activa às suas ocupações profissionais permite pensar na retoma económica, sem a qual teremos uma crise pior que as três bancarrotas do PS juntas. Os mais velhos já trabalharam e, se forem prudentes, ficarão em casa e só sairão quando for indispensável. Se não, para que servirá mais dívida arrancada à União Europeia?
O autor nasceu em 1940 e tem respeitado o «confinamento».