Há menos de três meses, o comentador-mor do reino, Marques Mendes, antigo ministro e, segundo dizem, porta-voz oficioso do presidente da República, vinha sustentar a promessa feita há algum tempo pelo primeiro-ministro cessante, segundo a qual em breve poderíamos gozar, finalmente, da «libertação total da sociedade».

Porém, conforme a própria comunicação social já suspeitava, pouco depois desses anúncios o país passou da prometida «libertação» para ser oficialmente devolvido às duras realidades da «calamidade»! Aliás, o próprio governo demissionário não exclui a possibilidade de regressarmos a mais um «confinamento» que se arriscaria a atrasar a prometida «bazuca» da UE e, por consequência, a recuperação sócio-económica que o governo promete mas não consegue iniciar. Apenas recuperou algumas perdas provocadas pela pandemia!

No momento em que escrevo é esta a situação em que o país se encontra e em que provavelmente estará no fim do mês que vem. Já não há tantas pessoas contaminadas nem tantos idosos mortos mas não deixa de continuar a haver mais óbitos e menos nascimentos do que era habitual, com provável diminuição da população como em 2020! Entretanto, o governo cessante não teve ideia melhor do que prometer a diminuição da idade da reforma em véspera de eleições. Além do oportunismo eleitoralista da promessa, uma decisão dessas terá como consequência haver cada vez menos pessoas a descontar e mais a receber, sem coragem para rever a legislação das reformas perante a catástrofe demográfica que o país vem sofrendo há décadas!

Seria bom que os diferentes eleitorados – mulheres e homens, jovens e velhos – manifestassem o que pensam a este respeito nas eleições do mês que vem. Com efeito, sejam quais forem as promessas feitas ao eleitorado, este não deixará de se aperceber das manobras e contra-manobras do PS nas poucas semanas em que passámos da prometida «libertação» à efectiva situação de «calamidade» em que nos encontramos. Tem sido efectivamente manifesta, nos últimos dias, a forma como o governo e a burocracia estatal têm manipulado a evolução real da pandemia, sem hesitar em subordinar os riscos sanitários à campanha eleitoral.

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No momento em que o número de óbitos, apesar da tão apregoada vacinação das pessoas mais idosas, sobretudo nos chamados «lares», voltou a atingir os níveis do mês de Março, o governo não hesitou em abrir ao público as portas dos estádios de futebol (fechados à televisão!) na esperança de não perder os votos dos fãs, mas correndo o risco de alienar o público mais atingido pelo vírus. Inversamente, medidas demasiado tardias como o afastamento do antigo ministro Cabrita arriscam-se, por seu turno, a funcionar ao contrário: em vez de apoiar o tardio castigo, muitos eleitores tenderão a ser mobilizados pelas queixas repetidas contra este e tantos outros membros da elite partidária como, por exemplo, a ministra da Saúde…

Por outras palavras: os erros cometidos pelo PS em relação à pandemia e à própria UE, a qual não tem facilitado a vida de um governo português sem a certeza de ganhar as próximas eleições, seja no caso da TAP como em muitos outros, tais erros acumulados num momento altamente delicado como aquele que o país está a atravessar neste momento podem, efectivamente, virar-se contra as repetidas promessas falhadas do PS e do seu leader, que julgavam ter dado o seu segundo «golpe parlamentar» ao fazer cair o governo na esperança de conquistar a tal «maioria absoluta» em novas eleições!

Na realidade, se é certo que o governo cessante fez do «clientelismo empregatício» e do «bodo aos pobres»» os seus modos preferidos de exercer o poder, tendo governado com oportunistas frustrados como são hoje o PCP e o BE, não é menos verdade que, até há pouco tempo, o PS também ficou a dever boa parte do seu domínio à passividade de opositores sem grandes ideias nem muito apoio partidário. Sendo assim, o PS encontrar-se-á muito possivelmente perante o desapontamento do eleitorado dos antigos parceiros do PS com o truque do orçamento e, sobretudo, perante a mobilização de uma oposição até aqui fragmentada mas que bem faria em se unir, nomeadamente o PSD e o CDS, bem como consolidar a implantação dos chamados pequenos partidos. Tais condições são aliás difíceis de captar pelas sondagens, sobretudo nos círculos maiores, conforme sucedeu nas últimas eleições autárquicas.

Em suma, a actual conjuntura ditada pela evolução negativa da pandemia e a sua contradição flagrante com os comportamentos previsíveis das pessoas num momento de particular animação e circulação como é o caso do Natal e do Ano Novo, arrisca-se com efeito a estragar, por assim dizer, o tipo de campanha partidária que o PS gostaria de fazer contra tudo e contra todos, como se fosse dono disto tudo, conforme tem sido até aqui. Da libertação à calamidade, a conjuntura parece ter-se alterado completamente contra o PS!