Segui, pela televisão, o discurso de António José Seguro na Convenção Novo Rumo. Ouvi as receitas, tomei nota das promessas. É óbvio que o secretário geral do Partido Socialista avançou com o discurso após a decisão do Tribunal de Justiça Europeu sobre o direito ao esquecimento: Seguro confia em que, se chegar ao governo, vai poder obrigar os motores de busca a apagar todos os traços dos compromissos e garantias de sábado passado. Só assim faz sentido. Porque senão, o que Seguro apresentou foi a mais longa nota de suicídio da política portuguesa.

Não quero ser injusto. O PS tem um grande problema: precisa de ganhar as eleições pela esquerda, para depois governar à direita. Em Julho do ano passado, perante a desagregação ministerial, o presidente da república pôs (e bem) o poder à mão dos socialistas. Hoje, o PS poderia ir a votos como o partido que garantiu a conclusão do ajustamento. Mas os inimigos de Seguro dentro do PS não lhe deram licença para agarrar a oportunidade. Agora, resta-lhe ser radical e milagreiro, para depois poder ser moderado e realista.

O destino de Seguro, com o seu Contrato para a Confiança, não tem mistério: será a versão portuguesa do último filme de François Hollande, menos as actrizes. Mas para o socialismo de cá, há o risco de ser pior. Sem maioria absoluta, um PS vitorioso nas próximas legislativas dependerá do PSD ou do CDS para governar, porque o PCP ou o BE não existem para fazer compromissos. Ontem, falou-se muito das coincidências programáticas entre o PS e a actual maioria. Mas um acordo parlamentar ou de governo não é simplesmente uma questão de medidas análogas. É uma questão de entendimento político. E aí, a intransigência do PS durante estes três anos terá consequências. Vai, quase de certeza, inspirar os inconformados que um pacto com os socialistas suscitar à direita: porque não imitar o Seguro dos últimos tempos, recusar qualquer cooperação e apostar num regresso rápido ao poder?

Há trinta anos, Mota Pinto não conseguiu reter o PSD no Bloco Central até ao fim — e então o PS e o PSD haviam recentemente chegado a consenso sobre uma revisão constitucional (em 1982) e tinham um inimigo político comum (o general Eanes). Imaginem como será com a raiva clubística de agora, para que Seguro, por opção ou sem opção, contribuiu deveras.

Pior: as legislativas de 2015 serão imediatamente seguidas das presidenciais de 2016. Um líder do PSD (ou do CDS) que pactuasse com o PS teria de desistir de um candidato presidencial próprio e subordinar-se à estratégia socialista. Já foi essa, aliás, a principal condição política do Bloco Central em 1983. O partido ou as facções da direita deixadas de fora vão poder inventar o seu candidato presidencial para minar qualquer acordo ou coligação. E a “esquerda do PS” fará outro tanto. Acham que vivemos tempos agitados? Esperem pelo PS no governo.

Os dirigentes do PS não perceberam que ao tentar deitar abaixo Passos Coelho a todo o custo, estavam a destruir as condições para um dia poderem eles próprios governar em Portugal. Ou perceberam, mas a pressão dos seus inimigos dentro do partido não os deixou escolher outro caminho. É a sina dos fracos: cometer erros de olhos bem abertos.

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