Nos idos de 2014, o especialista em aeronáutica António-Pedro Vasconcelos lançou um manifesto contra a venda da TAP. O manifesto, brilhantemente chamado “Não TAP os Olhos”, colheu as assinaturas de vultos do gabarito de Tony Carreira, Pedro Abrunhosa, Camané, Carlos do Carmo, Paulo de Carvalho, Sérgio Godinho, Carlos Tê, José Jorge Letria, Manuel Alegre, além de outros cançonetistas como um Francisco Louçã, um Boaventura Sousa Santos e uma ou duas manas Mortágua. Com lucidez, estas personalidades convenceram-se de que sabiam o que era melhor para a companhia aérea e para o bom povo. Em 2015, para pesar das personalidades, um governo de “neoliberais” sem escrúpulos consumou a venda da TAP. Em 2016, para júbilo das personalidades, um governo de patriotas anulou a venda.

Sete anos depois, a TAP regressou ao mercado. Nesse período, os contribuintes foram aliviados em três ou quatro mil milhões de euros, trocos que se poupariam caso, além dos olhos, tivéssemos TAPado o bolso. Não foi um grande negócio. Pensando bem, foi um negócio fracote. Pensando melhor, o negócio roçou o criminoso, e em nações aborrecidas os responsáveis directos pela proeza acabariam na barra do tribunal. Quanto aos responsáveis indirectos, no mínimo seria de esperar consciência pesada e arrependimento. Sendo uma casta digníssima, a dignidade aconselharia a que, constatado o desastre, os subscritores do manifesto andassem a juntar dinheiro para nos compensar, mesmo que parcialmente, pelo prejuízo que ajudaram a causar. Podiam pôr algum dos próprios bolsos e conseguir mais algum através de rifas, quermesses e, dada a actividade dominante na lista de signatários, revistas de variedades. Dos males, o menor.

Infelizmente estamos em Portugal, logo dos males costuma emergir o maior. Não há notícia de remorsos, nem de rifas ou feiras beneficentes. António-Pedro Vasconcelos e restantes Parodiantes da Portela estão, sumariamente, calados. E, a acreditar nos ventos que sopram daquela região ideológica, querem que nos calemos também. Agora, a estratégia oficial e oficiosa sugere que as polémicas em volta da TAP desvalorizam o valor da empresa. A estratégia assenta em dois pressupostos. O primeiro é o de que a empresa vale coisa que se veja. O segundo é o de que os hipotéticos compradores detêm um QI de 65, não estudam previamente o produto a adquirir e carecem de um “apontamento” no telejornal da SIC para se informar. O segundo pressuposto é improvável. O primeiro é absurdo.

Por incrível que pareça, o governo não nos extorquiu uma desmesurada quantia apenas para satisfazer os prestigiados amigos de António-Pedro Vasconcelos. O dr. Costa limitou-se a aplicar à TAP o método que aplica a tudo o que se mexe e a tudo o que está parado: reduzir a sociedade ao Estado e reduzir o Estado ao PS. O modo como a TAP serviu para distribuir empregos, inventar cargos, pagar indemnizações, fazer e cobrar favores, premiar aliados e castigar adversários não possui qualquer carácter excepcional face ao que acontece nas demais empresas públicas, institutos, comissões, observatórios e salões de baile. A única excepção é o escrutínio que a TAP começou a sofrer, desencadeado pelo despedimento de uma criatura secundária e pela circunstância de haver uma chefe estrangeira que não precisa de engolir os vexames impostos pela nomenklatura socialista.

O escrutínio da TAP, e o selvático espectáculo subsequente, mostrou um estilo generalizável a um sistema, ou um regime, em putrefacção. Para onde quer que olhemos com idêntica atenção, a selvajaria e o espectáculo serão idênticos. Isto para dizer que o PS e seus cúmplices se encarregaram de garantir que o valor da TAP esteja próximo do zero, e o valor do país nem isso. Não falar dos factos talvez iluda eleitores com problemas cognitivos, que junto com os borlistas são o público-alvo do dr. Costa. Mas não elimina os factos. E os factos acumulam-se hora a hora, numa vertigem espantosa para os que ainda se espantam com o potencial destrutivo dessa gente. Nunca é excessivo repetir e pelos vistos é sempre inútil repetir que essa gente, um caldo apurado de incompetência, fanatismo e desonestidade, é capaz do pior, incluindo a corrosão dos derradeiros fios que nos prendiam à civilização. Sobram muito poucos. E sobra muito pouco tempo.

De cada vez que, com variável firmeza, a “oposição” exige a reforma de um minúsculo ministro está a legitimar um governo que não é reformável, não é legítimo e não é um governo. Do “regular funcionamento das instituições democráticas” à realidade vai um mundo e inúmeras gargalhadas, quase todas do dr. Costa. A propósito, em desabafo recente, o homem confessou esperar que daqui a trinta anos ninguém se lembre da existência dele. Não terá essa sorte: daqui a trinta anos haverá de certeza quem olhe para o buraco a que descemos e se pergunte porque o cavaram tão fundo. A posteridade do dr. Costa e dos que tornaram possível o dr. Costa durará as décadas que levaremos a tapar o buraco. Se algum dia o taparmos.

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