1 Um Governo sem rei no roque — é cada vez mais a definição certa para descrever o Executivo de maioria absoluta de António Costa. O processo de degradação em curso continua a desenvolver-se a bom ritmo, levando o Executivo rumo ao abismo político.

Um Governo sem rei porque o primeiro-ministro tem cada vez menos controle sobre a agenda política do país. Os casos não param de surgir, com a agravante das situações mais antigas persistirem e com novos indícios cada vez mais graves. António Costa tem dois dos três ministros mais importantes do Governo (Fernando Medina e João Gomes Cravinho) sob suspeita e pressão da oposição, sendo que o ministro dos Negócios Estrangeiros terá mentido ao Parlamento.

Neste momento, só lhe falta ter Mariana Vieira da Silva com problemas reputacionais para a cúpula política do Governo ficar posta em causa.

Um Governo sem roque. Paralisado com sucessivos casos e com a pressão e contestação social a subir de tom, vem ao de cima tudo aquilo que o habilidoso António Costa (tão aplaudido pela generalidade dos comentadores políticos do país desde 2015) conseguiu esconder com os seus truques e habilidades: um país sem reformas, economicamente estagnado e a correr a boa velocidade para o fundo do ranking dos países mais pobres da União Europeia.

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Portanto, podemos começar pelo fim deste ciclo político — cada vez mais previsível e que chegará mais depressa do que julgamos: Costa não ficará para a história como um primeiro-ministro que mereça ser recordado.

Pelo contrário a sua herança será simples de explicar: um país estagnado, uma classe média empobrecida e um Estado que cobra cada vez mais impostos para prestar serviços cada vez mais miseráveis. E um PS cada vez mais radicalizado na postura institucional — e ultra-conservador na apatia de nada mudar.

2 Basta ver o que aconteceu as duas grandes áreas sociais de qualquer Governo — ainda para mais quando estamos perante um Executivo de esquerda e um líder progressista que fomentou a extrema-esquerda — nos últimos sete anos: a Educação e a Saúde.

A linha política de António Costa é clara desde 2015: a defesa radical da escola pública e do Serviço Nacional de Saúde, desfazendo a boa cooperação com o setor privado que o PS sempre defendeu.

Os resultados ao fim de sete anos resumem-se a um SNS inoperante nas coisas mais básicas (como fazer escalas), urgências hospitalares constantemente fechadas (com os sucessivos casos caricatos de os cidadãos fazerem centenas de quilómetros para serem atendidos), rede de cuidados primários deficitária que nem sequer consegue assegurar que cada português tenha um médico de família e o Estado sem capacidade de atração salarial de profissionais de saúde.

Resultados extraordinários quando, como o próprio António Costa repete em loop, o orçamento do SNS subiu “40% desde 2015” para a quantidade colossal de cerca de 13 mil milhões de euros. Como se vê, despejar dinheiro dos contribuintes em cima dos problemas não resolve a situação.

3 Na Educação, as polémicas ideológicas sobre a disciplina ironicamente intitulada “Cidadania e Desenvolvimento”, as escolas sem professores, centenas de alunos sem aulas desde dezembro e o primeiro grande sinal de contestação social são as reformas que o PS defensor da Escola Pública tem para apresentar.

Ao contrário de 2019, o auge do habilidoso e das respetivas habilidades, António Costa não tem agora força política para fazer ‘virar o jogo’ da contestação dos professores. Pelo contrário, tem de ‘baixar a bola’ e sentar-se à mesa com os sindicatos (os orgânicos do seu antigo aliado PCP e os inorgânicos) para negociar a paz possível.

Resumindo e concluído: os setores privados da saúde e da educação estão de vento em popa. Os hospitais e clínicas de saúde crescem de forma sustentada por todo o país e os colégios privados já esgotaram as inscrições para o ano letivo de 2023-2024.

Confirma-se o axioma clássico dos progressistas: as suas (supostas) boas intenções resultam (quase) sempre em desastres económicos.

4 O empobrecimento da classe média começa precisamente por aqui. Paga os impostos, taxas e taxinhas de um asfixiante e iníquo sistema fiscal, financia um sistema público de saúde e educação que não funciona. Mas prefere pagar as escolas e hospitais privados para usufruir da qualidade que não é garantida pelo setor público.

Não conheço outro país europeu em que os contribuintes sejam obrigados a esta espécie de duplo tributo.

A outra prova do empobrecimento da classe média é precisamente a questão salarial. Porventura, é a prova definitiva do fracasso das políticas económicas de António Costa.

O caderno de Economia do Expresso publicou, aliás, dados elucidativos sobre este domínio há 15 dias. As conclusões do trabalho das jornalistas Cátia Mateus e Sónia M. Lourenço, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística, são simples de explicar:

  • Apesar do salário médio ter aumentado 65,6% em termos reais entre 1973 e 2021, o mesmo salário apenas subiu em média 3,1% desde 2010;
  • O salário médio português, expresso em paridade de poder de compra, deverá representar em 2022 cerca de 74,6 % da média europeia. Em 1995, o salário médio português era o 12.ª mais baixo entre os atuais 27 países da União Europeia (representando 76,4% da média europeia) e hoje é o sétimo menor.

Apesar deste resultado catastrófico, António Costa não para de fazer as suas habilidades, tentando fazer crer que o salário médio em Portugal subiu 20% desde 2015. O que é falso.

Se compararmos com o salário mínimo nacional (SMN), constatamos uma discrepância brutal: o SMN subiu cerca de 41,9% em termos acumulados desde 2015, face à subida média anual de 3,1% do salário médio desde 2010.

5 Além da iniquidade social que esta política salarial representa, há ainda o dado da produtividade. É que os ganhos de produtividade não justificam minimamente a política de crescimento explosivo do SMN adotada pelo Governo de António Costa.

Como se pode verificar neste gráfico deste trabalho da minha colega Beatriz Ferreira:

Cada trabalhador em Portugal continua a contribuir pouco mais para a economia nacional do que produzia em 1999: 39,5 mil euros em 2021 compara com 34,6 mil euros de 1999.

Só em 2020, ano de pandemia, é que a produtividade teve um resultado mais positivo do que o crescimento do PIB. Mesmo assim de forma sui generis: ou seja, não desceu tanto como o PIB.

O resultado é que, quando comparamos com os nossos parceiros europeus, não paramos de ficar para trás em termos de produtividade.

Qual é o grande problema disto? São vários:

  • Por um lado, o Estado é um promotor ativo da distorção dos salários do país ou determinar por decreto o aumento do SMN, sem que tais aumentos correspondam um real aumento da produtividade dos trabalhadores.

Não está em causa a justiça da medida de subir administrativamente o salário mínimo, está em causa saber se tal subida é sustentável do ponto de vista económico. E não são porque as subidas salariais só são economicamente sustentáveis se tiverem ganhos de produtividade associados.

  • O pior de tudo é a tremenda injustiça que se cria, já que o salário médio está tecnicamente estagnado porque depende dos tais aumentos de produtividade, enquanto o salário mínimo aumenta pura e simplesmente por decreto.

O empobrecimento da classe média é assim feito por duas vias:

  • pela via fiscal, completamente asfixiante para os pequenos e médios empresários e para a classe média que trabalha por conta de outrem ou independentes
  • e pela via salarial, visto que o aumento de poder de compra está praticamente estagnado desde 2010, quando comparado com a subida do SMN.
  • E, pior do que tudo, verifica-se uma perda real do poder de compra desde 2022 que, de forma acumulada e em termos brutos, pode ultrapassar os 10% no final de 2023.

Não há política económica sustentável que tenha como resultado final uma aproximação fatal entre o salário médio e o salário mínimo nacional. Quando o SMN sobe de forma desmesurada e o salário médio está estagnado há mais de 13 anos, isso significa que existe uma doença degenerativa na política económica desse país.

E esta é maior herança de António Costa e a prova de como o estado a que isto chegou obriga a políticas económicas claramente diferentes que permitam a recuperação sustentada do poder de compra de todos os portugueses

PS — Pela primeira vez, António Costa está em apuros nas sondagens: sem surpresa face aos sucessivos casos dos últimos meses, o primeiro-ministro tem uma clara maioria (54%) a avaliar negativamente a sua ação, com apenas 24% a terem uma ideia positiva de Costa, segundo dados do barómetro da Aximage  para o Diários de Notícias/Jornal de Notícias/TSF. Já o PS, perdeu 14,3% das intenções de voto desde as eleições em janeiro de 2022 e a esquerda toda junta não consegue fazer a maioria absoluta.

Já a direita toda junta (PSD/IL/Chega) consegue ganhar uma maioria absoluta confortável com cerca de 47% das intenções de voto. É o primeiro sinal claro de que o ciclo político pode mudar antes de 2026. 

Seja como for, é só isso: o primeiro sinal. Falta que esse sinal passe do conjuntural para o estrutural, o que só poderá acontecer com um PSD mais forte do que aquele que tem sido representado nas sondagens e com uma  Iniciativa Liberal pacificada e unida.

Ainda falta muito trabalho ao centro-direita para se assumir com uma alternativa credível. Até lá, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não tem outra hipótese senão ir aguentando o barco.