“Não é negativo, é factual. Portugal tem um nível de desenvolvimento em termos de média europeia na ordem dos 76%, já esteve nos 80% e depois de 2000 a convergência ficou estagnada”.
Peço desculpa ao Observador, mas vou citar a concorrência neste artigo. A frase acima, é uma das muitas afirmações interessantes da entrevista que a socialista Elisa Ferreira, agora Comissária Europeia, deu ao Público esta semana.
Em vésperas do debate do Estado da Nação, recomendo à oposição que use as declarações da Comissária Europeia quando interpelar o Governo e António Costa. Nada melhor do que citar uma socialista, agora em Bruxelas, obrigada a ter um olhar realista sobre o país.
O debate está marcado para a próxima quinta-feira. É suposto que a oposição aproveite a ocasião para confrontar o Primeiro-ministro com as muitas falhas destes primeiros três meses de governo que mais parecem três anos de um governo em fim de vida.
Do SNS ao Aeroporto, da inexistente gestão do território à ausência de uma estratégia eficaz para enfrentar mais uma tempestade económica no país, o Governo deve ser confrontado com a opinião dos próprios militantes socialistas quando não estão condicionados pela política caseira.
E nesta entrevista Elisa Ferreira é muito direta: “A questão é saber se estamos a utilizar os fundos exatamente para sair da situação em que precisamos de fundos… E, para haver essa utilização estratégica, tem de haver uma visão muito clara do que se quer fazer, isto é, onde se quer que o país e cada uma das suas regiões estejam daqui a dez anos.”
Mais claro não podia ser. Por mais PRR’s que a Europa despeje para cima do país, se António Costa continuar a ser alérgico à palavra reforma, substituindo-a sempre que lhe convém pela expressão problema estrutural, não há dinheiro europeu que nos salve da triste sina de sermos um país cada vez mais pobre, endividado e atrasado.
Não é a oposição que o diz, é a Comissária Europeia, ex-colega de Governo do Primeiro-ministro e escolhida por ele para ocupar o lugar em Bruxelas: “Esta ânsia por fundos que existe em Portugal… temos de nos convencer que temos de viver sem fundos, que temos de pensar num desenvolvimento normal, que o nosso objetivo é ter uma dinâmica económica e empresarial e de inovação que se liberte desta dependência.”
Depois de uma semana em que assistimos à repetição da tragédia dos fogos descontrolados, com milhares de hectares de território ardidos, populações aflitas com casas e bens destruídos, é bastante óbvio que o país está estagnado. A política do deixa andar e de culpar o passado esgotou-se. O resultado do imobilismo deste Governo e dos Governos dos últimos sete anos começa a mostrar-se sem disfarces.
António Costa está aflito, os próximos tempos não vão ser fáceis. A sua manta já não dá para esconder a realidade dos portugueses. Acalmam os fogos, surgem os hospitais em rotura. Acaba o Verão, começa a sentir-se no bolso de todos os portugueses o efeito de uma inflação em escalada que vai acabar por atingir uma economia frágil com empresas pouco resilientes.
A culpa de tudo isto não é da pandemia, nem da guerra. A culpa é de quem abdicou de governar sempre a contar com a salvação de Bruxelas. Mais uma vez, Elisa Ferreira diz tudo: “Os fundos não são uma coisa que existe para se continuar a fazer o que se fazia antes e que todos os sete anos temos direito a receber fundos para se aguentar, ou para espalhar em mancha de óleo a tecnologia que já utilizava.”
Espanha tem como principal objetivo utilizar os fundos do PRR para investir na criação de infraestruturas que coloquem o país na dianteira na produção de chips e baterias. Portugal está aflito com as notícias de que a AutoEuropa pode reduzir drasticamente a produção ou mesmo encerrar portas em Portugal por causa do boom esperado dos carros elétricos. São notícias do último fim-de-semana que permitem a qualquer um tirar as suas próprias conclusões.