Até que ponto o Estado não tem a obrigação de intervir na comunicação social, enquanto não é encontrado um novo modelo de negócio para o sector? Esta interrogação do Presidente da República foi lançada há dias e é um completo desastre. Porquê? Porque reflecte uma história bem portuguesa: esperar que os outros resolvam os nossos problemas é uma especialidade nacional, nomeadamente quando os ‘outros’ são os contribuintes e a solução é injectar dinheiro através da intervenção do Estado. Ora, essa ideia adaptada à comunicação social é um erro tremendo, por três razões.

Primeiro, a dependência financeira no poder político mataria a credibilidade da imprensa portuguesa. As experiências locais de imprensa financiada pelo poder político (câmaras municipais) revela como estes órgãos ficam reféns do dinheiro, sem capacidade de escrutínio das decisões dos executivos camarários – morder a mão que nos dá de comer é sempre uma má estratégia. Só pode achar que seria diferente com órgãos de comunicação nacionais quem apenas conhecer Portugal há dois dias. Basta lembrar que, há poucos anos, José Sócrates usou o PS e a sua influência enquanto primeiro-ministro para engendrar um plano de domínio sobre a comunicação social – que envolveu colocação de quadros em direcções de jornal, despedimento de jornalistas e tentativas de aquisição de grupos de comunicação. Ou, para quem gostar de ficção científica, basta imaginar o que seria se Rui Rio fosse primeiro-ministro e decisor sobre os orçamentos da comunicação social que critica sucessivamente.

Segundo, não existe qualquer regulação em Portugal que permita transparência no financiamento à comunicação social. Pior: para além de não existir regulação, a comunicação social portuguesa está inundada de políticos (no comentário de actualidade) ou de jornalistas que entram e saem dos gabinetes ministeriais, numa promiscuidade que comprometeria sempre a tomada de decisão. Ou seja, com a introdução de financiamento público, não tardaria muito a que o jogo de influências dominasse a mesa de negociações. Assim só para dar um exemplo: por um lado, Marcelo Rebelo de Sousa levanta a hipótese de financiamento público à comunicação social, por outro lado foi comentador na TVI durante vários anos, o que cimentou a sua popularidade e foi determinante para a sua eleição presidencial. Agora basta trocar ‘Marcelo’ por ‘Francisco Louçã’, ‘Marques Mendes’ ou ‘António Costa’ para multiplicar os exemplos (e os problemas).

Terceiro, financiar a comunicação social seria um desperdício de dinheiro que só adiaria o inevitável: a falência dos órgãos de comunicação que deixaram de ser relevantes. Sim, a transição para o digital (com a perda de receitas nas vendas em banca e na publicidade) é um grande desafio para a sustentabilidade do sector. Mas achar que o problema da comunicação social portuguesa começou aí é acreditar numa história mal contada. Há jornais à beira do abismo porque foram mal geridos durante anos ou décadas e alheios à inovação. Ponto.

Por exemplo, entre 2008 e 2018, todos os jornais diminuíram as vendas (dados aqui). Mas uns mais do que outros. O Diário de Notícias (DN) perdeu 74% de circulação paga (jornais vendidos) – o Público, seu concorrente directo, apenas perdeu 24%. Mais: só entre 2014 e 2016, o DN cavou uma dívida de 20 milhões de euros, muito mais do que o Público (12 milhões de dívida) e muito longe dos grupos de comunicação (Media Capital, Cofina e Impresa) que deram lucro – mas que estão muito endividados (por exemplo, a Impresa tinha no 1.º semestre de 2018 uma dívida de 185 milhões de euros, mais do dobro da Media Capital). De resto, o DN só resiste porque foi adquirido em 30% por um grupo de investimento macaense em 2017 – e, em 2018, os resultados das vendas do agora semanário estão aquém das expectativas e o grupo está com problemas de tesouraria. Como se percebe, os problemas da comunicação social portuguesa são estruturais e muito mais profundos do que alguns querem fazer crer.

Entendamo-nos: isto não quer dizer que o Estado não tenha um papel a desempenhar na relação com a comunicação social. Tem e é da maior importância: o de regular de forma credível e independente a comunicação social, o de garantir a transparência na composição accionista das empresas de comunicação, o de não obstaculizar com cargas absurdas de impostos, o de proteger as empresas nacionais contra a apropriação das receitas do digital por parte da Google e outros gigantes. Ou seja, o Estado tem responsabilidades (que não cumpre) e, por essa via, poderia ter um papel positivo na sustentabilidade da comunicação social. Mas não confundamos as coisas: não compete ao Estado descobrir qual o modelo de negócio certo para os tempos actuais. E se há muito que pode ser feito, não há nada que o Estado possa ou deva fazer para salvar grupos de comunicação social que não quiseram adaptar-se aos tempos, se penduraram no poder político, perderam leitores e se tornaram obsoletos.

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