O Congresso do PS conseguiu manter o nome de Sócrates fora de portas, assim como os sentimentos por aquilo que está a acontecer-lhe. Mas não conseguiu expulsar o fantasma do seu antigo líder, hoje em prisão preventiva por alegados crimes de corrupção, mas outrora o único socialista a ganhar uma maioria absoluta que lhe permitiu, mesmo depois de Sócrates perder essa maioria em 2009, pôr em prática a desastrosa política clientelar e propagandística que levou o país à bancarrota virtual, da qual ainda não conseguimos sair completamente, apesar dos sacrifícios que o próprio líder do PS comprometeu o país a fazer quando assinou o memorando de entendimento com a «troika».
Este Sócrates esteve presente durante todo o congresso e, pelo que se disse na maior parte dos discursos e pelos nomes para o novo secretariado do PS, o seu fantasma continuará a assombrar o partido e o país. Podem os delegados do Congresso ter silenciado isso mas, cá fora, todos sabem que assim foi, tanto os fiéis do partido como os seus adversários e, sobretudo, a vasta maioria dos que hesitam entre a oferta partidária disponível ou nem sequer em votar. Estes últimos serão seguramente uma percentagem muito numerosa de eleitores. Todos sabem também que o processo judicial mal começou.
Portanto, se lá dentro reinou um silêncio de conveniência, cá fora ninguém se calará, muito menos a comunicação social. Esta obterá muitos dos segredos da instrução do processo, como de resto vem sucedendo a conta-gotas desde que o fantasma do PS foi detido e, depois, preso preventivamente. Entretanto, outros processos decorrerão e não é de descartar que o do BES ainda venha a cruzar-se com o de Sócrates e os seus alegados cúmplices, para não falar de outros casos que ficaram para trás, como as escutas do processo Face Oculta, o qual valeu ao PS nomeadamente a condenação de um companheiro próximo de Sócrates, Armando Vara. Recorde-se que tanto este último como o seu companheiro foram para o governo logo que António Guterres conquistou o poder em há perto de 20 anos. Entretanto, o próprio abandonou inopinadamente o posto de primeiro-ministro e agora é o candidato preferido do PS à presidência da República em 2016.
Nada disto foi dito, obviamente, durante o congresso, mas estava certamente na cabeça dos mais velhos e dos menos esquecidos. Dirão alguns que são águas passadas desse turbulento rio que é a vida política partidária. Mas, para a esmagadora maioria dos eleitores, não se trata apenas da forma como os partidos de governo fazem política. Esta tem conteúdos de vários tipos. Primeiro, tem nomes e rostos, interesses pessoais e maneiras de atravessar os processos políticos. Os eleitos e os governantes são escrutinados à lupa pela comunicação social e são avaliados, se ficarem no poder suficiente tempo, pela opinião pública. Uns sairão melhor do que outros e alguns saiem pela porta dos fundos, como aconteceu com Vara e se arrisca a acontecer com Sócrates, dia após dia, ao longo dos meses que faltam para as eleições legislativas.
Mas não há só a dimensão pessoal, há também a dimensão colectiva de cada um dos partidos que não deixa de ser afectada, como é óbvio, pelo desempenho das figuras da ribalta partidária. Mais grave e importante do que isso tudo é, porém, a dimensão nacional propriamente política e nomeadamente económica da actividade partidária. Isto começa nas promessas e acaba nos resultados obtidos. Quanto a estes últimos, estamos conversados tanto a respeito da governação do governo socialista bem como do actual e, embora muitas escolhas já estejam feitas, ainda resta à coligação PSD-CDS quase um ano para mostrar aquilo que será capaz de fazer até às eleições.
Quanto ao PS, neste momento, além do legado fantasmático de Sócrates, estamos diante das suas primeiras promessas e dos rostos com que se apresenta o líder recém-entronizado: por um lado, à custa do seu predecessor imediato e por outro, quer ele queira, quer não, à sombra ressuscitada daquele que, entretanto, foi transformado pela justiça no fantasma do partido. É o maior peso que António Costa carregará até às urnas.
A este, que não é pequeno, acresce essa pulsão esquerdizante pretensamente legitimadora de que falei na coluna anterior. Basicamente, o PS promete repor os cortes feitos pela actual coligação ao abrigo do memorando co-assinado pelo mesmo PS; irá promover o crescimento que não promoveu quando Sócrates foi governo, apesar da despesa louca que desbaratou (na altura, o Estado chegou a controlar directamente 53% do PIB, coisa que ninguém fizera antes); e pretende, retoricamente, renegociar a dívida e o défice com uma União Europeia da qual quer, ao mesmo tempo, continuar a fazer parte e receber os fundos comunitários… Tudo junto, é a chuva na horta e o sol na eira, como se costuma dizer. Cá estaremos para ver o que o PS fará com este pacote no qual os mais lúcidos dos socialistas não acreditam, como já se viu no congresso do fim-de-semana.