São as ideias e os homens por detrás delas que movem a história. Em cada época e em diferentes latitudes foram muitos os que contribuíram e continuam a contribuir para ajudar a moldar a realidade internacional. Porém, só alguns fazem a diferença. Vladimir Putin, goste-se ou não, é uma dessas personagens da história que faz a diferença. No caso de Putin, mais do que as ideias, é a sua ação política e diplomática a constituir o tal “fator” que o atual ministro dos negócios estrangeiros britânico, Boris Johnson, identificou em Winston Churchill.

Ou seja, Putin tem paulatinamente construído o seu próprio teatro estratégico e vai aproveitando a fragilidade dos diferentes atores concorrentes para nele se afirmar. Putin vive o seu momento na história. Existe hoje, podemos dizê-lo, um “fator” Putin e é desse que falarei a seguir.

Internamente, Putin acaba de viver mais um grande momento eleitoral ao conseguir que o partido que o apoia, Rússia Unida, averbasse 54.2% dos votos nas eleições legislativas. Trata-se, apesar da elevada abstenção de 48%, do melhor resultado desde 2003, ano em que o partido se apresentou como tal. Putin domina diretamente 342 lugares, ou seja, 3/4 da Duma, o parlamento da federação russa.

Com estes resultados e com uma oposição sufocada pelos media que lhe são próximos, o partido Rússia Unida funciona no Parlamento como um veículo para carimbar a vontade do Kremlin, onde reside a verdadeira sede do poder.

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Se olharmos para o contraste dos fracos resultados obtidos pelos diversos líderes da União Europeia no poder, tal vitória ainda se torna mais impressiva, quase a caminho de um modelo plebiscitário numa dita “democracia soberana”, como Putin gosta de designar o regime político russo.

Mas continuemos. Uma notícia recente dava conta de que o presidente russo, Vladimir Putin, procedeu a uma significativa restruturação dos serviços secretos ou de informação. Essa reestruturação incluiu a recuperação do KGB onde o próprio Putin fez carreira e de onde trouxe os que lhe são próximos no poder (também conhecidos na gíria política russa por siloviki), acompanhada pelo afastamento, do também ex KGB, Sergei Ivanov que detinha a importante posição de chefe de gabinete de Putin.

O parlamento russo aprovou, com entrada em vigor a 1 de setembro passado, uma lei sobre a localização de dados na internet que obriga a que sempre que estejam em causa dados de cidadãos russos, estes devem ser guardados em território da Rússia.

No que concerne à frente externa, ou grande xadrez da política mundial, a Rússia volta a tornar-se um ator incontornável, apesar da sua relativa debilidade económica, fruto da queda e estagnação dos preços das commodities de que a sua economia depende.

A afirmação da Rússia verifica-se quer na Europa (a Rússia acaba de instalar misseis com ogivas nucleares no seu enclave báltico de Kaliningrado), quer na Ásia, seus espaços naturais de interceção, quer agora no Mediterrâneo, no Médio Oriente e até no Golfo Pérsico, como se viu pelo recente encontro entre Putin e o rei saudita, aquando da cimeira do G20 que teve lugar na China com real incidência no acordo sobre os preços do petróleo dentro da OPEP.

O acordo de amizade celebrado em 7 de junho passado com Israel, assim como a reaproximação à Turquia depois do episódio do abate do caça russo pelos turcos na fronteira com a Síria são outros sinais de que com Putin, a Rússia procura recuperar o seu espaço estratégico na arena internacional – Putin, apresentado como o “amigo russo” iniciou ontem, 10 de outubro, uma visita oficial à Turquia.

Por fim, mas não menos importante, na passada semana soube-se da suspensão do acordo com os USA sobre a reciclagem de plutónio das ogivas nucleares que vigorava depois de 2000 e que foi ainda assinado por Bill Clinton e pelo próprio Vladimir Putin.

Se somarmos a estes episódios, o apoio claro ao Brexit, a luta contra o TTIP e a aparente preferência por Donald Trump, como futuro presidente dos USA, teremos a cereja no cimo do bolo.

Referia Bernardo Pires de Lima, no seu ensaio, “Putinlândia” (2016) que “o putinismo não é liberal nos seus termos nem democrático na sua génese. Assenta num modelo de Estado que subverte a separação de poderes, despreza a pluralidade política, renega a diversidade cultural, religiosa e social, e atua nas relações internacionais como se vivesse no século XIX.”

De facto, como antigo homem do KGB, Putin vê-se a si próprio como decisor solitário e usa a política apenas como uma ferramenta, um instrumento eficaz para assegurar a estabilidade do seu poder. Os líderes da antiga URSS não pensavam de modo diferente…

Ora, foi também o “fator” Putin que esteve presente no momento da escolha de António Guterres para a ONU, pois um veto russo viria com certeza a fazer toda a diferença, com consequências nunca fáceis de antecipar. É com esse “fator” que o futuro Secretário-Geral terá de lidar.

Acredito que António Guterres, com quem tive ocasião de trabalhar e a quem aproveito para felicitar, terá a arte e o engenho para transformar o mundo da força e da astúcia de Putin numa ordem global, baseada em princípios e regras, como todos desejamos.

Professor universitário