Há cerca de dois anos vi um gráfico que nunca mais esquecerei. Analisando todos os bestsellers do New York Times na categoria de ficção científica até ao ano 2000, a visão do futuro mais partilhada era claramente positiva (utopia) e a partir daquele momento a maior parte dos livros foca-se numa visão muito negativa do futuro (distopia). Na altura não procurei a explicação para este fenómeno, mas sempre me intrigou o porquê desta mudança tão radical que aconteceu com a mudança do século.

Apesar de vivermos no século mais pacífico e próspero de sempre, apesar de nos últimos anos milhões de pessoas por todo o mundo terem saído da pobreza e de hoje termos uma esperança média de vida elevadíssima na maioria dos países, existe uma grande incerteza em relação ao futuro. Essa incerteza leva a que surjam movimentos populistas de direita e esquerda, como os que estamos a testemunhar nos Estados Unidos, mas também em alguns países na Europa.

Uma das áreas em que esta incerteza é mais evidente é na área do futuro do trabalho. Nos últimos dez anos, o número de pesquisas do termo “Future of Work” duplicou e podemos encontrar 378 milhões de resultados, que resultam de um interesse crescente no tema.

Entre estes podemos destacar o estudo desenvolvido por Carl Benedikt Frey e Michael Osborne da Universidade de Oxford, que analisaram 702 profissões e concluíram que nas próximas duas décadas 47% destas profissões irão desaparecer porque os trabalhos serão feitos por robôs.

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Estas conclusões são reforçadas pelo estudo “The Future of Jobs” desenvolvido pelo Fórum Económico Mundial que mostra que entre 2015-2020 perder-se-ão 7,1 milhões de postos de trabalho, sendo que dois terços são trabalhos de escritório e administrativos.

Ao lermos estes resultados temos tendência a menosprezá-los. E a verdade é que desde a 1ª Revolução Industrial que ouvimos teorias apocalípticas que acabaram por não se concretizar. A Revolução Industrial aumentou o número de trabalhos disponíveis e não o contrário, melhorando significativamente a qualidade de vida dos cidadãos.

De acordo com Yuval Harari autor do “Sapiens: Uma breve história da humanidade” os seres humanos têm dois tipos de capacidade: capacidade física e capacidade cognitiva. Aquando da Revolução Agrícola, e depois Industrial, milhões de trabalhadores foram obrigados a deixar os campos e a trabalharem em fábricas. Aí começaram a aplicar a mesma força física, mudando assim de trabalho, mas usando a mesma capacidade. Mais tarde, durante o século XX, milhões de pessoas fizeram a transição para o trabalho cognitivo, reduzindo significativamente o número de pessoas que usam apenas a força física no seu trabalho. No entanto, em 2017 já muito desse trabalho cognitivo está a ser automatizado. Hoje robots, algoritmos e bots estão a fazer trabalhos que até há pouco tempo seriam impensáveis. Temos bots a resolver multas de trânsito, temos algoritmos a escolher o tratamento para alguns tipos de cancro ou a selecionar candidatos para um determinado trabalho, entre muitos outros exemplos.

É já claro que as próximas décadas serão desafiantes e de transição, mas também de grandes oportunidades e existem dois vetores que necessitarão de muito trabalho.

Por um lado, terá que ser estruturada uma sociedade em que o trabalho não ocupa um papel tão cimeiro nas dinâmicas económicas e sociais. Hoje multiplicam-se um pouco por todo o lado, tentativas de prototipar sociedades em que os cidadãos não dependem do trabalho e têm muito mais tempo livre. Ainda recentemente a Finlândia foi o primeiro país da Europa a pagar um rendimento básico de 560 euros mensais a desempregados com o objectivo de cortar a burocracia, reduzir a pobreza e fomentar o emprego. O próprio YCombinator (o mais bem sucedido acelerador de startups a nível mundial) anunciou recentemente o lançamento de uma experiência com 100 famílias de Oakland, Califórnia para testar os impactos de um rendimento básico de 1.000 a 2.000 dólares por mês.

Por outro lado, uma aposta na educação é essencial. Também segundo o estudo “The Future of Jobs” desenvolvido pelo Fórum Económico Mundial, desde a década de 60 que trabalhos rotineiros e/ou manuais têm perdido postos mas, em compensação, trabalhos analíticos e não rotineiros têm ganho força. Assim, competências de resolução de problemas, pensamento crítico, criatividade, colaboração e negociação são cada vez mais importantes.

Sendo eu uma otimista impaciente, acredito que todos estes desafios trarão muitas oportunidades cabendo a cada um de nós idealizar, conceptualizar e estruturar esta nova sociedade em que o trabalho ocupará um lugar bem diferente do que ocupa nos dias de hoje, mas em que a expressão individual ocupará um lugar cada mais mais relevante.

Inês Santos Silva tem 28 anos e nos últimos anos tem sido uma das mais ativas dinamizadoras do ecossistema de empreendedorismo nacional. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013 e é presença assídua em eventos do Fórum Económico Mundial, tendo já participado nos eventos de Davos (Suíça) e de Tianjin (China).

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre o ecossistema empreendedor. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.