Ih, hoje seu pai acordou mal humorado. Deixa ele lá no canto dele. Deve ter sido porque dormiu mal. Ele sempre fica assim quando não dorme pelo menos 8 horas por noite.
Ih, o Tiago tá super mal humorado hoje. É por causa do Flamengo. Perdeu ontem de 3 a 0. Ele sempre fica assim quando o Flamengo perde. Sem chances dele querer sair pra jantar.
Ih, seu irmão tá num mal humor danado. Ralaram no carro dele, coitado. Tá super bravo, não dá nem pra conversar. Ele sempre fica assim quando acontece alguma coisa com o carro.
Ih, o Henrique tá muito mal humorado hoje. Exagerou no whisky ontem. Ele sempre fica assim quando bebe muito. Vou até sair de casa com as crianças pra dar uma volta, porque está insustentável.
Ih, seu tio está num mau humor… Acordou resfriado, nariz entupido e está febril. Ele sempre fica assim quando fica doente. Melhor marcarmos outro dia.
Façam a experiência de inverter o gênero. Tentem legitimar um suposto mau humor feminino porque há um resfriado, porque o seu time perdeu no domingo, porque houve uma chatice com o carro, por causa de uma noite mal dormida ou por ter exagerado na bebida na véspera.
Tentem lembrar quantas vezes o mau humor do seu pai ou de um eventual companheiro foi tido como justo e intocável e pense quantas vezes sua mãe ou companheira teve que contornar aborrecimentos e indisposições físicas para que a casa continuasse funcionando, para que as crianças continuassem entretidas, para que o jantar com os sogros não se tornasse insustentável.
Os homens são socialmente mais respeitados de um modo geral, em quase todas as suas demandas. Tudo, num discurso no masculino, parece mais plausível e digno de compreensão. Mas é preciso parar de tratar o mau humor dos homens como algo sempre justificável. Sim, todos ficamos mal humorados às vezes, mas é preciso que isso seja algo esporádico e, acima de tudo, controlável. Se não for, é preciso buscar apoio psicológico – e não há vergonha nenhuma nisso.
É fundamental refletirmos sobre o quão à vontade os homens ficam perante a vida, sem grandes necessidades de constrangimento ou de adequação social enquanto há alguém na retaguarda – quase sempre uma companheira, uma mãe, uma irmã – dando conta de tudo e mais um pouco, apesar das suas próprias angústias, do seu próprio cansaço, do seu próprio mau humor.