Me lembro de quando eu e minhas amigas tínhamos nossos 20 anos de idade e íamos a algum bar ou restaurante quando, de repente, percebíamos que grupos de homens de mais de 40 anos estavam tentando nos paquerar. Toda vez isso nos gerava um misto de vontade de rir e de um ar transtornado. Lembro-me perfeitamente de pensar: como esses homens com o dobro da nossa idade podem achar que nos interessaríamos por eles?

A verdadeira questão aqui não gira tanto em torno da idade em si, mas da forma geral como um homem vê a si mesmo. Não precisamos dizer aqui que a auto estima dos homens costuma ser muito mais alta do que a das mulheres em geral. Basta mencionar, por exemplo, que esse ano uma pesquisa da revista GQ Brasil constatou que apenas 3% dos homens brasileiros se consideram feios. E quase 50% dos entrevistados se classificaram como efetivamente bonitos. Eu, honestamente, não sei onde estão todos esses homens bonitos da Brasil. Nunca os vi.

Paralelamente a isso, estou lendo um livro da escritora portuguesa Inês Pedrosa – e não canso de me maravilhar com a sua escrita. Em um dos contos de Fica Comigo Essa Noite, Inês comenta que uma das bases da masculinidade heterossexual é nunca comentar o corpo de outros homens – uma vez que (mesmo em 2022) isso frequentemente é utilizado para colocar a masculinidade em questão.

Pois bem. Ocorre que a autora pontua que essa ausência de crítica sobre os corpos masculinos por parte de outros homens resulta numa espécie de suposição de uma infindável capacidade de sedução masculina. Ora, se ninguém critica esse corpo, ele é visto como irretocável até o fim da vida, certo? Por outro lado, o corpo feminino é analisado e criticado desde a infância – o que faz com que mulheres cresçam e vivam imersas em questionamentos e inseguranças sobre si mesmas.

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A diferença da intensidade de pressão estética que há entre homens e mulheres é um fator que guia vidas masculinas e femininas por caminhos muito distintos. Homens não são ensinados a odiar o próprio corpo. Bem como mulheres não são ensinadas a procurar defeitos em corpos masculinos. Pelo contrário: nos ensinam a ver charme na barriguinha saliente e nos grisalhos – mesmo que, no fundo, muitas de nós não gostem disso.

Tudo isso se interliga com o fato do valor da mulher continuar estando atrelado a um casamento e uma família estável (independentemente disso gerar ou não felicidade para essa mulher). Solteirice e separação seguem vistas como falhas e discursos do tipo “você ainda vai encontrar alguém” seguem sendo repetidos em tantos ouvidos femininos ao redor do mundo. Ou seja: muitas mulheres seguem “buscando alguém” para afirmar o próprio valor, como se não tivessem valor sozinhas.

A fórmula é simples: mulheres temem a condenação social de não ter um par, por isso flexibilizam (e muito) seus critérios de escolha. Soma-se a isso a insegurança sobre a própria imagem que o mundo acaba por incutir nas mulheres, que as leva a baixar ainda mais o nível da busca. Por fim, entra a robusta auto estima masculina, endossada e celebrada pela sociedade. Homens de 60 anos munidos da certeza de que podem seduzir mulheres de 35. Homens de 40 jogando charme para garotas de 20. Pode funcionar? Certamente. Pode haver uma paixão avassaladora? Pode. Mas deveria ser igualmente possível e aceitável um tórrido caso de amor entre uma mulher de 55 e um rapaz de 30. Mas não é. Por quê? Porque a capacidade de sedução masculina e a descartabilidade feminina são construções sociais bastante bem sucedidas – e precisamos nos lembrar disso.