A Arbitragem, enquanto mecanismo de resolução alternativa de litígios, consolidou-se no panorama jurídico português sendo hoje amplamente vista como uma ferramenta reconhecidamente eficaz, segura e fidedigna de resolução de disputas.

Apesar disso, o recurso ao instituto tem-se revelado diminuto, sobretudo comparado com a pendência de processos nos tribunais judiciais. A demonstrá-lo os números revelados pela Direção Geral da Política de Justiça, (1) que registam apenas uma, com um número total de processos – 12.000 – manifestamente baixo para as expectativas depositadas no instituto desde a Lei da Arbitragem Voluntária (“LAV”) de 1986 e reforçada em 2011 com a LAV atualmente em vigor.

Persiste na comunidade jurídica – e inclusivamente entre advogados – a ideia generalizada de que a justiça arbitral envolve custos elevadíssimos, incontornáveis e até incontroláveis e por isso deve ficar reservada aos “grandes litígios”.

Esta ideia que motiva a opção frequente pela fuga à arbitragem na fase de redação contratual, canaliza litígios para os tribunais judiciais que inevitavelmente ficam a aguardar anos pela sua resolução, com custos e inconvenientes para as partes muito acima do desejável. O que deita por terra a opção pela fuga ao mecanismo que, mesmo que mais caro, sempre garantiria a tais litígios rapidez na resolução e previsibilidade de custos que inevitavelmente se perde ao longo dos largos anos de pendência e de instâncias de recurso típicos dos tribunais judiciais.

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Em tempos em que os tribunais judiciais enfrentam constrangimentos nunca vistos, agravados pela crise e instabilidade social que se vive, a arbitragem, mais do que nunca, reúne todas as condições para desempenhar um papel fundamental no alívio e desbloqueio da justiça.

Urge desfazer o mito criado em volta dos custos da arbitragem e apostar no instituto para os litígios que, ainda que não envolvam os pedidos milionários, típicos das arbitragens internacionais, em tudo beneficiarão com o recurso à justiça arbitral.

É de extrema importância que os envolvidos na negociação contratual – sobretudo partes e advogados – ganhem uma visão clara dos fatores que influenciam os custos da arbitragem de modo a conseguir evitá-los.

A autonomia de que as partes gozam na definição da convenção de arbitragem  permite-lhes, mediante a ponderação e redação de uma convenção de arbitragem adequada e equilibrada, mitigar os tais potenciais custos elevados.

Para o efeito devem ser tidos em consideração, aquando da inclusão de cláusulas arbitrais em contratos comerciais, os fatores que têm maior impacto direto nos custos da arbitragem, como por exemplo: (i) o número de árbitros, (ii) a adequação do recurso a arbitragens rápidas e (iii) a escolha do centro de arbitragem que administrará o litígio com análise do regulamento quanto a custas.

A frequente desadequação de cláusulas arbitrais inseridas em documentos contratuais aos litígios que deles podem surgir são a verdadeira razão para a generalização do mito de que a arbitragem é uma justiça para os ricos.

O fator que mais impacta e que não raras vezes inviabiliza mesmo a reclamação de direitos pelas partes em sede arbitral, é a inserção acrítica e desinformada de cláusulas arbitrais em contratos – muitas vezes por recurso a modelos usados repetidamente – sem uma análise cuidada da natureza e contornos dos potenciais lígios que um contrato, em concreto, poderá originar.

Não raras vezes chegados à fase em que o litígio surge, as partes são confrontadas com cláusulas arbitrais que, sem que a relação contratual em causa o justifique, preveem tribunais plurais, arbitragens a serem administradas por instituições internacionais e com recurso a regulamentos demasiado formalistas, que incrementam, de forma injustificada, os custos, tornando-os custos desproporcionais e desajustados. E quando analisadas a posteriori essas relações contratuais e as cláusulas arbitrais nelas inseridas, verifica-se que teria sido fácil mitigar e reduzir, em muito, os custos, bastante para o efeito que a cláusula arbitral inserida nesses contratos tivesse sido convenientemente ponderada, através de escolhas ponderadas e proporcionais quanto aos fatores que mais incrementam os custos da arbitragem.

Ao recorrer ao instituto empresas e particulares poderão, não só garantir uma resolução célere das suas disputas, como também um controlo financeiro significativo e muito mais eficaz do que o decorrente de um processo judicial cuja tramitação e morosidade foge, tantas vezes, do inicialmente estimado e planeado.

A isto acresce que, fatores como a flexibilidade, confidencialidade e possibilidade de escolha de árbitros especializados e de competências inquestionáveis para dirimir litígios especializados, superam e justificam, tantas vezes, a inicial preocupação com custos.

É tempo de repensar a arbitragem não como um luxo inacessível, mas antes como uma abordagem célere e pragmática à resolução de litígios, evitando as delongas e os custos excessivos e imprevisíveis dos processos judiciais.

Ao desmistificar a narrativa dos custos incontroláveis, permitimos que a arbitragem ocupe o lugar que merece – o de uma ferramenta essencial na busca por uma justiça mais célere, mais eficiente, mais justa e financeiramente mais equilibrada.

Somos da opinião que, nesta cruzada, também os Centros de Arbitragem ganhariam em repensar o seu posicionamento no mercado, adequando os seus regulamentos, quanto a custas, tornando-os mais atrativos à generalidade dos agentes económicos que operam no mercado nacional, de modo a captar e abranger os litígios que normalmente povoam os tribunais judiciais.

Deixando para trás expectativas há muito goradas de captação de litígios internacionais, financeiramente muito atrativas, mas que acabam inevitavelmente presos em Londres, Nova Iorque, Hong Kong ou Singapura.

Flexibilizar os custos tornando evidente para as partes a vantagem da arbitragem na relação custo-benefício, asseguraria, certamente, uma transição mais célere da justiça judicial para a arbitral o que auxiliaria, em muito, no desbloqueio da justiça.

Vislumbramos, inclusivamente, a existência de mercado para novos centros de arbitragem, que queiram centrar a sua atividade na captação dos litígios comerciais de cariz mais doméstico e de menor valor, tipicamente resolvidos pelos tribunais judiciais em termos pouco satisfatórios, atenta a morosidade e o consequente peso financeiro que a litigância acarreta para os agentes económicos em geral.

(1) Fonte: Estatísticas da Justiça, disponível em: https://estatisticas.justica.gov.pt/