Carta ao futuro, diretamente do ano da reviravolta. Confesso, apanhou-me de surpresa este twist do protagonista. Ainda que as suas atitudes se tenham mantido sempre em constante mutação e reinvenção, não vi esta chegar. Depois do ano passado ter havido uma espécie de Natal, reduzido e parcelado, que nos forçámos todos a achar graça porque ia ficar para a história e tal. Não vi esta versão fragmentada, assustada e isolada a dar de si. Mas cá está ela.

Que fique para te lembrares, digo a mim própria, mas a azia permanece. Já não há saco. É a expressão que mais ouço hoje em dia, e é literalmente verdade. O sítio onde íamos buscar uma sociável paciência para lidar com tudo isto o melhor que podíamos esvaziou-se.

Vejo-me irritável e ingrata. Apesar da enorme sorte de poder ir e estar. Desiludida. Por todas desmarcações e por quem não vai poder estar.

Saudades de todos os anos em que tive que pedir licença à pessoa do lado para levar o garfo à boca porque a mesa estava no limite. Por me distrair e deixar acabar o molho do peru, que era sempre pouco face à demanda.

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Também a minha surpresa me surpreendeu. Não pela ingénua esperança, essa já se espera que fique até ao fim, mas porque já me devia ter habituado às situações de merda em que este vírus nos põe. Não habituei. Não gosto.

É para essa futura pessoa que escrevo hoje, e para todas as futuras pessoas de quem este ano o Natal não é o idealizado. O conceito de Natal em si é o oposto disto. Desta irritação. Natal é final com sabor a início. É um sítio mágico, de fechar de círculo, de fim que recomeça. É uma oportunidade para continuar, mas agora, sabendo mais e por isso esperando fazer melhor.

Seja como for, está sempre ao nosso alcance ditar os tons de um começo. Este de 2021 é também irritação. Dá licença, mas acho que é merecido!

Utilizemos este ano de não escolha para aproveitar todos aqueles em que o primo ruidoso se pode ouvir a mastigar bem perto e em que podemos ouvir o tio a contar a mesma história de sempre. Esquecemo-nos, mas esses são os privilégios. Não é o molho a sobrar. Da minha parte, fica a nota, podendo escolher, não O quero nunca mais passar sem um irmão ao meu lado.