Em 2016, os eleitores do PSD e CDS votaram no actual presidente da república. Consta agora que a escolha de então justifica, à direita, mágoas e ressentimentos. Compreendo perfeitamente. São as mesmas mágoas e os mesmos ressentimentos que a esquerda sentiu quando Mário Soares, em 1987, impediu a primeira “geringonça” e fez as eleições que deram maioria absoluta a Cavaco Silva. São também as mágoas e os ressentimentos que, em 2004, levaram o líder do PS a demitir-se, depois de Jorge Sampaio ter indigitado Santana Lopes. São até, para continuar a lenga-lenga, as mágoas e os ressentimentos de que, em 2009, o PSD rodeou Cavaco Silva, por não colaborar na campanha contra Sócrates (o qual, no entanto, viu sempre no presidente o seu maior inimigo).
Há quarenta e quatro anos que direita e esquerda são infelizes com os presidentes que julgaram ser seus. É provável que o problema não esteja só nas personalidades e situações, mas no próprio tipo de magistratura presidencial: um órgão eleito por sufrágio universal e, mesmo após a revisão constitucional de 1982, dotado de vastos poderes, mas que não governa e que, segundo os costumes do regime, não se deve envolver na política partidária. Para cobrir esse novelo misterioso, o regime inventou o mito do “moderador e árbitro”, que não vale a pena examinar.
Que queriam os seus críticos de direita que o presidente tivesse feito? Confrontar um governo com maioria na assembleia e boas sondagens, para propiciar uma rotação no poder? Mas alguma vez a oposição provou ser uma alternativa? Não vou contar votos ou citar sondagens. Basta pensar no que se passou esta semana, com a organização de juventude do PSD em Lisboa a convidar e honrar o alegado escritor-fantasma de Sócrates, acusado de burla qualificada.
Deveria o presidente ter saltado por cima destes restos de uma direita moribunda e perversa, e suscitar directamente uma alternativa no país? Alguns constitucionalistas discordarão, mas nada, salvo a rotina, o impede de emular o presidente da V república francesa. Imaginemos que anunciava desde já que, logo que possível, depois de reeleito, convocaria eleições legislativas e formaria um partido presidencial, esperando, como Macron em França, obter uma maioria para reformar o país. É isto viável? A decepção política em Portugal tem alimentado mais a abstenção do que o desejo de uma ruptura reformista. A aventura contribuiria apenas para a polarização e a desordem.
Sendo assim, o que temos, até haver uma maioria alternativa, é isto: um presidente que colabora, esperando-se que essa colaboração funcione como limite e condicionamento. Como fizeram todos os presidentes antes deste, sempre que uma substituição de governo não estava no horizonte. O contrário seria suicídio. Quem teria ganho com a diminuição ou mesmo a renúncia do presidente? A direita? Não parece. O presidente deu por vezes cobertura à maioria de esquerda? Talvez. Mas ao existir, impediu também que a degradação do PSD e do CDS resultasse na ideia de que, em Portugal, só a esquerda existe. Pelo menos, a “geringonça” não tem um candidato plausível à presidência. E não tenham a ingenuidade de dizer que não precisa.
É por isso bizarro que, entre os tresmalhados do PSD e do CDS, de mal com as actuais lideranças, se sinta necessidade de uma candidatura contra o presidente. Para quê? Devido ao estado do PSD e do CDS, seria sempre entendida como parte de uma manobra de reorganização partidária, quando não de simples revanche. Não serviria nem para beliscar o presidente, nem para limitar André Ventura, nem muito menos para dar voz a valores liberais e conservadores. Serviria apenas para acabar de dividir e de desacreditar a oposição ao socialismo.
É igualmente descabido, em sentido contrário, alimentar expectativas sobre um segundo mandato. O país avança numa grande incerteza. Ninguém faz ideia do papel que o presidente terá de desempenhar nos próximos anos. De facto, só sabemos uma coisa: mais ninguém, a não ser o actual, poderá ser presidente da república. Resta saber quem será derrotado com a sua reeleição. Há quem, na área de onde o presidente vem, deseje ficar entre os vencidos. Parece que esta direita se habituou mesmo a perder.