Uma nova crise a curto prazo é o maior risco que Portugal enfrenta. Mas não é esse um problema, sempre? Sim, mas no caso português e mesmo na área do euro, uma recessão a curto prazo constitui uma séria ameaça ao regime democrático. Novas medidas de austeridade, como as que tivemos de suportar entre 2010 e 2013, destruirão totalmente a confiança nos políticos que têm gerido o país. E esse cenário, de necessidade de medidas de corte de rendimentos, não se pode ainda excluir.

A situação financeira de Portugal continua muito frágil. Façamos umas contas de algibeira. Um país que deve mais de 700 mil milhões de euros paga por cada um por cento de juros sete mil milhões de euros por ano. Um crescimento de 3% – ao qual não se chegou nesta recuperação – para um PIB da ordem dos 200 mil milhões de euros dá seis mil milhões de euros. Se usarmos o crescimento nominal – ou seja, somando a inflação e que é mais correcto – um crescimento de 4%, do qual nos aproximaremos em 2019, dá-nos 8 mil milhões de euros. Não crescemos em termos reais o suficiente sequer para pagar os juros da dívida e, em termos nominais, pouco nos sobra.

Enquanto a economia estiver a crescer, mesmo que seja pouco, e os mercados financeiros andarem satisfeitos com o desempenho do país podemos continuar a aliviar lentamente esta carga que carregamos. Mas assim que o abrandamento da economia puser a descoberto que andamos, como diz Warren Buffett, a “nadar sem calções”, e com isso, os investidores entrarem na fase da desconfiança, enfiar-nos-emos de novo no círculo infernal da “austeridade”. Que não é mais do que obrigar-nos a dar prioridade ao pagamento da dívida gastando menos, como país.

O equilíbrio instável em que nos encontramos é visível na travagem que o Governo agora começa a fazer. A facilidade com que cedia às reivindicações desapareceu para dar agora lugar a alertas como os que fez o primeiro-ministro na sua mensagem do Natal de 2018. Mas a dinâmica está instalada e acelerada pelo ano eleitoral que vamos viver. E o crescimento, que era preciso, para satisfazer as reivindicações não chegou, podendo até ser inferior ao que foi no passado.

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António Costa corre o sério risco de confirmar as previsões dos que diziam que estava a gerir o ciclo de lá para cá – deu primeiro tudo e chegado ao fim do mandato fica com a escolha difícil de deixar derrapar o défice público ou continuar a ser generoso reforçando os riscos futuros. No melhor dos cenários.

Foram três anos em que nada se fez. Ou antes, distribuiu-se o que ia caindo com o crescimento da economia e, dentro dela, o turismo, sem qualquer preocupação em, pelo menos, começar a corrigir estruturalmente alguns dos problemas que nos levaram ao colapso financeiro. Bem pelo contrário. Com as reversões, recuperou-se em grande parte a velocidade de crescimento da despesa pública que nos conduziu ao precipício de 2011.

O caso da carreira dos professores é um bom exemplo. A progressão na carreira dos professores foi congelada por duas vezes. Primeiro em 2005 durando até 2007, quando Portugal entrou no seu segundo processo por défices excessivos, era José Sócrates primeiro-ministro – o primeiro foi com Durão Barroso em 2002. Congelou-se de novo a progressão na carreira dos professores em 2011 com a longa crise que nos trouxe a troika.

Parece assim claro que, por muito injusto que seja, o modelo de progressão de carreira dos professores não consegue ser pago de forma duradoura. Mas, em vez de se retirar essa lição e tentar logo no início da legislatura reestruturar a progressão nas carreiras, mantendo tanto quanto possível, os direitos adquiridos transmitiu-se a mensagem da reversão.

O que se devia ter feito logo nessa altura e não apenas para os professores era uma reestruturação das carreiras – é preferível ter menos progressões do que ver periodicamente as regras congeladas por falta de dinheiro. Não se fez e a dinâmica da despesa está aí com o Governo com poucas alternativas, neste momento, que não seja seguir o exemplo dos Açores e da Madeira no caso dos professores. Um outro grave erro foi o da redução do horário de trabalho na administração pública.

O que nos pode esperar? O cenário de pesadelo, improvável mas não impossível, é a chegada de uma crise repentina por via de um “crash” nos mercados financeiros. O cenário mais provável é um abrandamento da economia, como já está a acontecer, com a recessão a instalar-se algures em 2020 ou 2021. Estaremos na altura já com uma dívida suficientemente baixa para evitar ter de tomar medidas como as da era da troika? Não parece provável.

Quem será o protagonista dessas medidas? Inevitavelmente os protagonistas serão os partidos do centro, PS e PSD, sejam quais forem os seus líderes. E é aqui que corremos o sério risco de chegar à mesma situação da implosão do centro que atingiu já países como a França e a Espanha. Uma crise a exigir medidas de austeridade somada àquilo que os políticos andam a fazer a si próprios – nas faltas no Parlamento, nos curriculum pouco rigorosos para dizer o mínimo e nas relações de emprego –, pode ter um resultado muito perigoso. Desde logo o de tornar o país disponível para dar ouvidos a “amanhãs que cantam” como já aconteceu com o Reino Unido com o Brexit e nos Estados Unidos e Brasil com a eleição de Donald Trump e Jair Bolsonaro.

O Presidente da República tem por isso razões para estar preocupado, como se manifestou na mensagem de ano novo, principalmente se pensa em recandidatar-se em 2021. Marcelo Rebelo de Sousa corre o risco de enfrentar eleições no meio de uma crise e será inevitável pensar que poderia ter sido mais exigente, podia ter feito alertas mais assertivos sobre a necessidade de adoptar políticas que não fossem apenas de gestão do dinheiro que ia caindo com a recuperação da economia.

Nota da autora: O segundo parágrafo foi actualizado dia 3 de Janeiro às 11h42, acrescentando os cálculos com o crescimento em termos nominais. Agradeço o alerta que me foi feito por uma leitora.