As redes sociais entraram em ebulição por causa das acusações de violência policial no Bairro da Jamaica e consequente manifestação e onda de confrontos entre agentes da PSP e civis que ocorreu no passado dia 21 de janeiro na Av. da Liberdade.

De repente, o tema do ‘racismo’ está na ordem do dia mas pelas piores razões. Todos têm uma opinião sobre os acontecimentos dependendo do lado da barricada que assumem. Uns denunciam o uso excessivo da força policial contra os moradores do bairro, outros insurgem-se contra o discurso incendiário que ataca as forças da PSP. O que assume preponderância são as declarações da deputada Joana Mortágua ou os insultos à PSP do dirigente associativo Mamadou Ba.

Estranho que pessoas que nunca demonstraram o menor interesse nas questões do racismo e discriminação em Portugal, sejam tão céleres nas suas manifestações em defesa de uns ou de outros quando efectivamente desconhecem o contexto e as circunstâncias que desencadearam os confrontos em causa. É recorrente o discurso político destacar determinados aspectos em detrimento de outros para fazer vingar um ponto de vista. Mas a bem da verdade importa questionar se a polémica em causa é a que mais interessa. Será mesmo a troca de insultos e a procura desenfreada em marcar pontos no combate político/ideológico o mais importante? É isso e apenas isso que move a sociedade civil?

Em vez de nos preocuparmos tanto sobre qual das versões acreditar, se da PSP, se dos civis agredidos, porque não focarmos a verdadeira questão que subjaz a toda esta discussão: a do Racismo.

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Há ou não há racismo em Portugal? Há ou não há brutalidade policial contra a população afrodescendente? Há ou não há episódios de preconceito racial nas instituições nacionais nomeadamente nas forças de segurança pública? Há ou não há exclusão social de determinadas comunidades étnico-raciais? Há ou não há igualdade de oportunidades para toda a população, independentemente da cor da pele?

A acusação de preconceito racial das forças de segurança e de guardas prisionais e a atenção sobre a actuação policial com a população afrodescendente não é uma novidade. Este tem sido um tema recorrente na comunicação social, com destaque para o caso de queixas e acusações de violência policial e racismo a agentes na Esquadra de Alfragide na Cova de Moura. Os relatórios da Amnistia Internacional e do Conselho da Europa publicados em 2018 denunciam a discriminação racial, a violência policial e prisional como assuntos que merecem especial atenção e monitorização no âmbito do respeito pelos direitos humanos em Portugal.

Mas não precisamos que relatórios internacionais nos venham dizer o que a realidade nos mostra de forma evidente.

É muito o que me separa ideologicamente do Bloco de Esquerda. Também creio que associações como a SOS racismo, apesar do notável trabalho que fazem no combate à discriminação, pecam pela visão selectiva e também ela ideologicamente enviesada da realidade  (por exemplo optam por denunciar determinados crimes de ódio racial ao mesmo tempo que ignoram outros igualmente ou ainda mais graves). Mas isso não me impede de ouvir o que têm para dizer, independentemente de todas as divergências políticas/ideológicas, sobretudo no que diz respeito a temas que considero vitais para a coesão social e para o progresso do País. Basta ler as caixas de comentários nos vários órgãos de comunicação em qualquer artigo relacionado com o racismo para nos confrontarmos com a diatribe de comentários e reacções profundamente xenófobos e racistas. Basta seguir as páginas de Facebook de associações anti-racistas e toda a discussão que provocam para constatar a olhos nus até que ponto é que o racismo está profundamente enraizado na nossa sociedade. Basta também reconhecer a falta de representatividade da população afrodescendente em todos os sectores de destaque da esfera pública, nomeadamente nas forças de segurança pública, para reconhecer que sim, o racismo existe.

Não está em causa o respeito pelas nossas instituições, a necessidade de ordem pública e a importância que as forças de segurança assumem na defesa e protecção do Estado de Direito. Ninguém, independentemente da cor da pele, tem o direito de incendiar viaturas, lançar cocktails molotov, apedrejar agentes da PSP ou agir com impunidade perante a lei. Não se está aqui a defender a apologia do crime. Mas sejamos honestos e não nos escudemos por detrás destes episódios para recusar ouvir a essência do protesto das centenas dos jovens que saíram à rua no dia 21 de janeiro: Não ao racismo.

As acusações de abuso de poder de agentes da PSP contra negros e africanos são apenas o espelho de um problema muito mais vasto e estrutural que existe na nossa sociedade.

Podemos continuar cegos e obstinados na nossa narrativa social e política mas esta realidade existe, e é sistematicamente abafada, silenciada, desvalorizada, normalizada e sobretudo largamente ignorada no espectro político.

Infelizmente são os piores fait divers que provocam reacções apaixonadas em ambos os lados da barricada. Já disse aqui que a questão do racismo institucional, da discriminação racial, da subrepresentatividade étnica e racial deveria ser uma preocupação transversal a todas as forças políticas e não rotulada e imediatamente engavetada como ‘cavalo de batalha’ da esquerda.

A esquerda apropria-se da causa e muitas das associações têm um cariz ideológico quando por princípio deveriam ser apartidárias e receptivas a todo o espectro político. O tema do racismo debate-se em bolhas ideologicamente definidas e é raro um verdadeiro confronto de visões. Mas enquanto o centro direita não evoluir para além do discurso securitário e de uma postura estritamente defensiva para denunciar clara e inequivocamente a injustiça social que representa o racismo, esta questão ficará sempre refém da esquerda.

Mentora para o Diálogo Intercultural, Reach Alliance Global Network; Assessora para a Inclusão, o Diálogo Intercultural e a Acção Social no Gabinete de Vereação do PSD na Câmara Municipal de Lisboa