A ignorância do nosso PM sobre o liberalismo é enorme e assustadora. Na entrevista que deu ao jornal Público na semana passada, foi ao baú socialista recuperar os ataques ao “neoliberalismo.” O exercício de arqueologia política não foi inocente. Costa deu a táctica a Medina para a campanha contra Carlos Moedas: atacar o “neoliberal” Moedas. Quando deu a entrevista, Costa esperava o apoio da IL a Moedas. Esse apoio acabou por não se concretizar.

Ao mesmo tempo, a moleza com que Costa falou de Ventura e do Chega foi reveladora, e em contraste claro com o radicalismo de Ana Gomes durante as eleições presidenciais. O “neoliberalismo” será o alvo do PS, e o “populismo radical” será ignorado. A razão é muito simples. Moedas pode derrotar Medina e, objectivamente, o candidato do Chega será um aliado dos socialistas. Um voto nesse candidato será menos um voto em Moedas e mais um em Medina. O PS não usa critérios ideológicos para fazer distinções entre as várias direitas. Para os socialistas, a direita “boa” é a que perde, e a direita “má” é a que pode ganhar. Por isso, na campanha em Lisboa, os socialistas vão atacar Moedas e ignorar o Chega. Aliás, logo depois da entrevista de Costa, a candidatura de Medina produziu um “fake video” sobre Moedas atacando-o como membro do governo de Passos Coelho quando ele já era Comissário em Bruxelas. Ficará como o momento Trump da candidatura de Medina.

Mas regressemos ao liberalismo. Costa afirmou que a crise pandémica revelou o “fracasso do liberalismo” porque a saúde pública e a escola pública são mais necessárias do que nunca. De um modo absolutamente ignorante, o PM opõe o liberalismo à prestação de serviços públicos pelo Estado. Na história do liberalismo, desde o século XIX, não há um único pensador liberal, um único partido liberal, que não defendesse políticas públicas. Pelo contrário, os liberais notabilizaram-se pela defesa do serviço público e de políticas sociais.

Saberá António Costa que um liberal alemão (na verdade, prussiano), Humboldt, criou uma das primeiras universidades públicas na Prússia para os filhos das classes médias? Ainda hoje, é uma das melhores universidades alemães.

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Saberá António Costa que um dos fundadores da tradição liberal francesa, Guizot, foi um dos percursores do ensino público em França?

António Costa não sabe, mas o progresso da educação pública no século XIX deve-se sobretudo ao liberalismo.

Saberá António Costa que os liberais lideraram a luta pelo sufrágio universal no final do século XIX e no início do século XX?

Saberá António Costa que um dos maiores defensores do investimento público e do intervencionismo fiscal, Keynes, era um confesso liberal?

António Costa já terá ouvido falar do “new deal”. Mas saberá que Franklin Roosevelt considerava-se herdeiro da tradição liberal clássica norte americana?

Hayek e Berlin são normalmente os exemplos que as esquerdas usam para falar de “neoliberais”. Ambos assistiram à emergência dos totalitarismos soviético e nazi, e foram perseguidos. Por isso, sabiam muito bem como um Estado demasiado poderoso constitui uma ameaça às liberdades individuais. Mas sabe António Costa que Hayek, antes de ser anti-comunista, foi anti-fascista?

Saberá António Costa que Beveridge, visto pelos socialistas como um dos pais do “welfare state”, era membro do Partido Liberal e não dos trabalhistas?

Saberá António Costa que a “economia social de mercado”, que hoje inspira muitas das políticas económicas da União Europeia, foi uma criação do liberalismo alemão do pós-Guerra?

Saberá António Costa que um dos maiores pensadores liberais desde a década de 1970, John Rawls, era um defensor empenhado de políticas de justiça social?

Obviamente que Costa nada sabe sobre a história do pensamento liberal. Por isso, fala sobre o liberalismo com as certezas dos ignorantes.

Passemos aos países europeus onde as políticas liberais são mais influentes. Saberá António Costa quais são? São a Alemanha, a Dinamarca, a Finlândia, a Irlanda, a Holanda, o Reino Unido e a Suécia. Estes países partilham três características liberais. Todos eles têm partidos liberais importantes. Em todos eles os outros partidos do centro direita e do centro esquerda são marcados por fortes influências liberais. Por fim, são os países na Europa com mais políticas públicas de cunho liberal, sobretudo na educação e na saúde.

Quais foram os resultados de décadas de políticas liberais para estes países? Em primeiro lugar, conheceram desenvolvimento e prosperidade económicos: estão entre os países mais ricos do mundo, em termos de PIB per capita. Exibem níveis elevados de justiça social: estão igualmente entre os países do mundo com políticas sociais mais justas para as suas populações. Por fim, são países onde se respeita absolutamente a liberdade política e o estado de direito: também são os países onde os cidadãos são mais livres e mais confiam na justiça.

Se António Costa quer saber alguma coisa sobre o liberalismo político na Europa, fale com os seus camaradas deputados europeus sobre as posições do grupo liberal no Parlamento Europeu sobre políticas sociais.

Saberá António Costa que o seu “amigo” Macron é atacado pelas esquerdas radicais em França por causa do seu suposto “neoliberalismo”?

E saberá António Costa que o seu outro amigo, Charles Michel, já foi vítima dos mesmos ataques de “neoliberalismo” pelos socialistas belgas?

Comparando com os países mais liberais da Europa, o que se passa com Portugal depois de duas décadas e meia em que o PS esteve no governo 19 anos? É um país mais pobre, menos justo socialmente, menos livre, e com o estado de direito mais frágil. António Costa ataca o liberalismo e defende o socialismo. Os portugueses são as maiores vítimas disso. E, na entrevista ao Público, o PM ainda gozou com os portugueses, prometendo que daqui a cinco anos Portugal estará mais perto da Alemanha do que estava há cinco anos. Costa, os entrevistadores e todos os portugueses que leram a entrevista sabem que isso não irá acontecer. Com os socialistas no governo, o fosso entre Portugal e os países mais liberais da Europa não para de se acentuar. E assim continuará.

Mas na cabeça de Costa o “neoliberalismo” também significa uma cumplicidade imoral entre liberais e ricos, para colocar a questão do modo mais simples possível. Deixo aqui um desafio e uma recordação a António Costa. O desafio é encontrar um PM português que tenha tido uma relação tão próxima, e altamente danosa, com empresários, como a que ocorreu entre Sócrates e Salgado. A recordação é que António Costa foi o número dois de Sócrates. O “socialista” Sócrates criou uma enorme cumplicidade de negócios com um “grande capitalista”. O “neoliberal” Passos Coelho acabou com a cumplicidade de negócios com o mesmo “grande capitalista”.

Os liberais sempre defenderam políticas públicas e sociais, e o passado fala por eles. O que os liberais seguramente não defendem é um Estado que ameace a liberdade individual, a independência dos tribunais, a iniciativa privada, a expropriação da propriedade privada, através de nacionalizações, e um sistema social injusto onde as elites políticas têm acesso a serviços que os outros cidadãos não têm. É este o Estado e o país socialistas que que o governo de Costa e os seus aliados da extrema esquerda estão a construir. Os liberais defendem um Estado forte. Mas o Estado liberal nada tem a ver com o Estado socialista. O primeiro garante as liberdades políticas e económicas. O segundo é uma ameaça permanente a essas liberdades.