Na semana passada, o mundo assistiu em choque ao debate entre um homem que fala sempre como se não se recordasse do que acabou de dizer e Joe Biden. Apesar do interesse em assistir a um impostor em acção, as aldrabices de Donald Trump foram ofuscadas pela dificuldade de Biden em manter um discurso coerente. É como se o Pinóquio tivesse debatido com Matusalém depois de ter bebido três garrafas de tinto. Um menino feito de pau a quem cresce o nariz quando diz uma mentira é impressionante, mas perde em fascínio para um recordista do Livro do Guiness em degenerescência cognitiva. Biden recusa-se a admitir que tem problemas de memória, Trump recusa-se a admitir que nós não temos problemas de memória.

Os Estados Unidos são mesmo um país fantástico. Foram os primeiros a pôr um homem na Lua e os primeiros a ter um Presidente na Lua. Tal como Armstrong, Biden caminha com pequenos passos. E também não parece afectado pela gravidade da situação.

Neste momento, vários membros do Partido Democrata e da imprensa simpatizante estão a tentar convencer Joe Biden a desistir, para poder ser substituído por um candidato que possa fazer frente a Trump. Idealmente, um jovem de 75 anos. Desde que começaram estes apelos que Joe Biden está em processo de reflexão. Quer dizer, se calhar já reflectiu, mas não tomou nota da decisão e por isso já não se lembra qual foi. Vai ter de a tomar outra vez.

Eu acho que Biden devia ceder o lugar, mas não a alguém com credenciais dentro do Partido. Os democratas têm aqui uma excelente oportunidade de derrotar Trump no seu próprio jogo, nomeando um chimpanzé. Até podem perder as eleições – Trump é exímio a ser símio – mas ganham em experiência sociológica. Confesso que não saberia em quem votar. Por um lado, gosto muito de macacadas; por outro, acho que Trump às vezes exagera.

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Enquanto portugueses, conhecemos bem o desconforto que é ter um Presidente que diz coisas absurdas. A diferença é que o dos EUA tem os códigos para lançar a bomba nuclear e o nosso só tem poder para rebentar com a família nuclear. Coisa que fez sem grande problema, aliás.

O que é pior para o mundo? Um Presidente dos EUA mitómano e sem escrúpulos ou um senil? Julgo que a decrepitude é preferível. Tem, até, algumas vantagens não despiciendas. Ser o líder do mundo livre implica sangue-frio, algo que um idoso tem em abundância. Daí estar sempre de camisola interior e casaco de malha. Implica também a capacidade de negociar com inimigos, mantendo-os numa posição desconfortável de dúvida sobre as reais intenções dos americanos. Putin nunca saberá aquilo em Biden está a pensar, porque o próprio Biden não saberá em que está a pensar. Queixando-se da imprevisibilidade de Estaline, Churchill terá dito uma vez que a Rússia era uma charada embrulhada num mistério dentro de um enigma. Biden é isso para si próprio. Imperscrutável, mas de dentes cerrados. Que podem significar determinação, mas também que se pôs cola a mais na dentadura.

Há outros casos em que a velhice é um trunfo. Nas negociações de paz no Médio Oriente, em que cada parte recua no passado até encontrar o que considera ser a causa inicial, dá jeito ter falta de memória.

E na divisão que persiste nos EUA por causa do racismo. Biden é um Presidente inclusivo, que estabelece pontes entre brancos e negros. Com aquelas manchas na pele típicas dos idosos, Biden tem-se aproximado da comunidade afro-americana.

Se calhar por causa disso, Biden está convencido que tem condições para ser Presidente durante mais um mandato. Ele é um idoso de 82 anos, mas identifica-se como homem de meia-idade de 42 anos. Quem somos nós para dizer que, apesar de se sentir jovem e viçoso, na realidade é um velhinho com dificuldades cognitivas e motoras? A verdade é que Biden parece firme no seu propósito. Ou então é rigidez. Às vezes a tenacidade confunde-se com artrose.