Os socialistas não desenvolveram apenas uma conveniente vergonha de José Sócrates. Parecem também desejosos de se distanciar das ideias que traziam nos bolsos quando desembarcaram no poder em 1995, há vinte e três anos. O problema é que desde então não arranjaram outras ideias, como se percebe pela reflexão filosófica que o secretário de Estado Pedro Nuno Santos mandou imprimir há um par de semanas. A ideia de Blair, Schroeder e Guterres, nos anos 90, era pôr o Estado a “construir” e a dirigir mercados, para com os impostos pagar a expansão do Estado Social. Pedro Nuno Santos vem agora renegar a Terceira Via. Qual é, então, a sua alternativa? Não é nenhuma, é exactamente a mesma coisa: “construir” e dirigir mercados. Pedro Nuno Santos é uma espécie de Monsieur Jourdain político: tal como o personagem de Molière fazia prosa sem o saber, o secretário de Estado faz Terceira Via sem o saber (ou dizer).

Admito que, entusiasmado com o convívio revolucionário de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa, o secretário de Estado até preferisse fazer outras coisas. Acontece que não pode. Porquê? Porque não tem dinheiro. Para financiar os seus défices, esta maioria depende do BCE, que é, de facto, o partido líder da geringonça. Repare-se nas políticas da habitação. Sem dinheiro, resta-lhes isto: ameaçar ou estimular os senhorios, mudar os nomes aos programas já existentes, e dar longas entrevistas aos jornais.

Mas é um erro pensar que, por causa destes constrangimentos, é indiferente serem estes ou outros a governar. Não é. E o primeiro-ministro, este fim de semana, explicou porquê. Para ele, é mais importante ter muitos funcionários, embora mal pagos, do que menos funcionários, mas mais bem pagos. A função pública não parece ser, para Costa, uma carreira profissional, mas uma variante do rendimento social de inserção. No mesmo fim de semana, a Dra. Teodora Cardoso aludiu ao “mistério” de “o desemprego baixar e os salários não subirem”. Em Portugal, para António Costa, não é um mistério: é um projecto. Trata-se de atulhar Portugal de dependentes do Estado, todos inseguros e facilmente persuadidos de que só um voto em  Costa lhes garante o salário. Sim, isto é o socialismo.

Nada disto é de facto misterioso. Em Portugal, salários que não correspondam a um aumento da produtividade e dependam apenas de redistribuições estatais só podem ser baixos, porque, ao contrário do que clamam o PCP e o BE, não é possível redistribuir muito mais, num país em que uma minoria dos cidadãos contribui com a maior parte da receita dos impostos directos, e em que só quem não pode não abastece o automóvel em Espanha. A galinha dos ovos fiscais está no limite. Porque é que os socialistas pensam que é necessário um regime tributário favorável para atrair estrangeiros, mas não para reter nacionais?

Desde 1995, que Portugal tem sido governado quase sempre pelo PS, com as esquerdas em maioria no parlamento. E desde então, que esses governos e essas maiorias resistem às recomendações internacionais para tornar Portugal mais competitivo, clamando que limitar a protecção estatal a certos grupos de interesse — sindicais, corporativos e empresariais — levaria a uma “economia de baixos salários”. Mas que o ganhou o país com essa resistência? Uma economia que, com a italiana, foi a que menos cresceu na Europa nos últimos vinte anos, e que gera sobretudo remunerações modestas. Por causa do Euro, argumentam PCP e BE. Mas que nos esperaria fora do Euro, senão as desvalorizações do Escudo e os seus salários diminuídos pela inflação? De uma maneira ou de outra, é o que o PS, o PCP e o BE têm para dar aos portugueses: o verdadeiro regime dos baixos salários e das baixas expectativas.

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