O Orçamento do Estado para 2019 (“OE 2019”) alterou novamente o regime de tributação, em sede de IRC, das mais-valias realizadas por entidades não residentes na alienação de partes de capital cujo valor resulte, de forma directa ou indirecta, maioritariamente de bens imóveis situados em Portugal (únicas a que se refere o presente texto).

Tal sucede depois de há apenas um ano o Orçamento do Estado para 2018 (“OE 2018”) ter já alterado o Código do IRC quanto a esta matéria. Passou então a tributar-se as mais-valias obtidas por não residentes na alienação de partes de capital ou direitos equiparados em sociedades igualmente não residentes, cujo valor derive, directa ou indirectamente, em mais de 50%, de bens imóveis situados em território português.

De acordo com a nova regra de incidência (artigo 4.º, número 3, alínea f) do Código do IRC) estas mais-valias ficaram, contudo, excluídas de tributação, caso os imóveis dos quais resulta o valor das partes de capital alienadas se encontrem afectos a uma actividade agrícola, industrial ou comercial distinta da compra e venda de imóveis.

Quanto a este aspecto, o regime é idêntico ao que já vigorava para as mais-valias realizadas por entidades residentes. Com efeito, de acordo com o vulgarmente denominado regime de participation exemption, desde que verificados os demais requisitos (e.g., os relativos à participação social, que não pode ser inferior a 10% nem detida por período inferior a um ano), as mais-valias obtidas por residentes não são tributadas mesmo nos casos em que o activo da sociedade alienada é maioritariamente composto por imóveis, se os mesmos estiverem afectos a alguma das actividades acima referidas.       

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Não obstante, ao não fazer acompanhar a alteração do Código do IRC de uma alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) – que, como regra, isenta de tributação as mais-valias obtidas por não residentes na alienação de partes de capital -, em termos prácticos e para a generalidade das situações, o legislador do OE 2018 acabou por não lograr atingir o resultado pretendido com a nova regra de tributação que acabara de introduzir.

Neste contexto, e lamentando embora a fraca técnica legislativa, bem se compreende a necessidade de o OE 2019 voltar ao tema, alterando o artigo 27.º do EBF para excepcionar da isenção de IRC que o mesmo estabelece as mais-valias que a Lei do OE 2018 quis passar a tributar.

Não se compreende, porém, que o legislador tenha deixado passar nova oportunidade para corrigir igualmente outra falha, por demais evidente, do actual regime de tributação das mais-valias obtidas na alienação de partes de capital em sede de IRC.

Referimo-nos à diferença entre o tratamento conferido às mais-valias nas duas situações acima referidas (transmissão por um não residente de participação no capital de sociedade também ela não residente, e, transmissão por residente de participação no capital de sociedade residente) e aquele a que ficam sujeitas as mais-valias obtidas por uma entidade não residente na alienação de uma participação no capital de uma sociedade residente, cujo activo seja maioritariamente constituído por imóveis situados em território português.

Atentando-se no regime aplicável a esta última situação (transmissão por um não residente de participação no capital de sociedade residente), conclui-se que as mais-valias estão sujeitas a IRC, sem poderem beneficiar de isenção mesmo naqueles casos em que os imóveis se encontram afectos a uma actividade agrícola, industrial ou comercial distinta da compra e venda de bens imóveis.

Mero resquício das regras de tributação que vigoraram até à reforma da tributação das sociedades levada a cabo em 2014, urge eliminar esta diferença de regimes de tributação, hoje incompreensível e destituída de sustentação.

Com efeito, cumpre corrigir um regime de tributação que, além do mais, se afigura atentatório de liberdades fundamentais tuteladas pelo direito comunitário, nomeadamente da liberdade de estabelecimento e, eventualmente, de circulação de capitais, sempre e quando estejam reunidos os demais requisitos que permitiriam à entidade não residente alienante das partes de capital beneficiar do regime de participation exemption caso fosse residente, incluindo a afectação dos imóveis ao exercício de uma actividade agrícola, industrial ou comercial distinta da compra e venda de bens imóveis.

Por último, uma breve nota sobre o alcance destas regras de direito português – que visam tributar as mais-valias obtidas por não residentes na alienação de participações sociais cujo valor resulte essencialmente de imóveis situados em território português -, nas situações em que o alienante tem direito aos benefícios de uma convenção para evitar a dupla tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e o Estado onde é residente.

Sem prejuízo de nas CDT mais recentes se verificar já uma inversão, as disposições de grande parte das CDT celebradas por Portugal ainda atribuem uma competência de tributação exclusiva destas mais-valias ao Estado de residência do titular do rendimento, em virtude do que as disposições nacionais referidas acabam por se mostrar inaplicáveis.

Não obstante, prevê-se que estas CDT possam vir a ser alteradas pelas disposições da Convenção Multilateral para Prevenir a Erosão de Bases Tributáveis e a Transferência de Lucros, no sentido de passarem a permitir, também, a tributação destas mais-valias no Estado em que se situam os imóveis.

Por tudo o exposto, pena foi que o legislador não tenha aproveitado a Lei do OE 2019 para proceder, também, à revisão desta vertente do regime de tributação das mais-valias, devolvendo-lhe coerência e eliminando o potencial de litígio entre os contribuintes e a Administração Tributária que o mesmo actualmente encerra.

Sócio e advogada associada da Cuatrecasas, Departamento de Direito Fiscal