Até ao presente, as ordens profissionais desenvolveram importante papel de auto regulação, delegada pelo Estado português na defesa do interesse público, e desenvolveram ao longo dos anos missões fundamentais de regulamentação profissional nos termos dos seus estatutos.

O percurso efetuado pelas ordens profissionais tem sido no essencial assinalável e estas são insubstituíveis nas suas missões, ainda que evoluindo na leitura das suas funções. O que é natural, por que nada é mais dinâmico que a realidade socioeconómica.

Ao contrário do que se tem vindo a ouvir, as ordens profissionais existem sob formatos diversos em todos os países do Espaço Económico Europeu. Não conheço realidade com quem nos queiramos comparar onde não exista um registo obrigatório de profissionais em determinadas profissões, códigos de ética e deontologia aplicáveis, exigência de qualificações adequadas para as exercer, de ente outros aspetos que seria exaustivo enumerar aqui.

Em Portugal isso é efetuado para determinadas profissões pelas Ordens, em Espanha por Consejos, na Alemanha por Kammern, em França por Ordres tal como em Portugal, e nos países anglo-saxónicos por Councils/Boards, ou ainda de forma genérica em muitos países por Associações Profissionais.

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Basicamente os requisitos previstos estão em linha com os exigidos pelas Diretivas Europeias devidamente transpostas para a legislação nacional, delegados na sua aplicação às ordens profissionais. Ordens, recorde-se, financiadas pelos seus membros e não pelo contribuinte em geral.

No entanto, com certeza e como anteriormente vinquei, há matéria para evolução em diversas das recomendações que a OCDE e a Autoridade da Concorrência emitiram em 2018.

Há efetivamente, sempre houve, pois de um processo contínuo se trata, uma necessidade de ir adaptando disposições estatutárias das ordens, em particular de algumas ordens identificadas em concreto nos relatórios referidos, à evolução de cada profissão, da sociedade, da legislação europeia, dos mecanismos concorrenciais, das novas formas de trabalho, e à emergência de novas profissões.

Ao invés, a tentação da Des(Ordem) na regulação das profissões qualificadas é algo a que a Assembleia da República, única com competências na matéria, não tem resistido. Enquanto cidadãos, devemos ver isso como preocupação e mobilizarmo-nos para contribuir para uma discussão mais esclarecida e transparente destas questões.

O Partido Socialista e aqueles partidos que com ele votaram, ao invés de tratar de propor  em diálogo, com as ordens e representantes das diversas associações profissionais, as recomendações da OCDE, AdC e UE de 2017/18 que a Assembleia da República entendesse por pertinentes, não encontrou melhor do que criar sem justificação plausível, a la carte, mais duas ordens em 2019 a juntar às dezoito já existentes; para variar nos últimos dias da legislatura, à socapa do crivo da opinião pública e até dos próprios deputados.

Algumas, poucas, ordens profissionais, não têm também resistido à tentação da Des(Ordem), de assumir descaradamente atividade sindical, da interferência na atividade económica dos seus membros, da politização das mesmas e até da sua partidarização.

O Partido Socialista, e António Costa por outro lado, não se livram de, com a proposta do Projeto de Lei nº 974/XIV/3.a,que irá ser alvo de discussão no Parlamento, serem justamente  acusados de pretender uma governamentalização das ordens, controlando-as  por via legislativa. Não por sugerir representantes externos às profissões, ou o Provedor dos destinatários dos serviços, aliás já previstos na atual lei quadro das ordens. Mas sim, por o fazerem de forma impositória, a destempo e por revanche relativamente às atitudes públicas já descritas de algumas ordens e dos seus representantes.

Repare-se que as recomendações da AdC, OCDE e EU são isso mesmo. Recomendações. Não imposições.

Necessitamos em Portugal de um modelo regulatório no que respeita às profissões qualificadas, que tenha uma visão muito mais abrangente e integrativa daquela decorrente unicamente das auto-regulação por ordens profissionais.

Centenas de milhar de outros profissionais de caráter liberal e trabalhadores independentes detentores de qualificações de natureza intelectual, de autonomia e independência, deverão ser convenientemente representados e enquadrados em legislação a aprovar no superior interesse dos consumidores e da comunidade em geral. Encarregados de Proteção de Dados, Consultores diferenciados, Designers, Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, Instrutores de Atividade Física, e muitos outros, têm que ser enquadrados neste modelo regulatório.

Não existem profissões de 1ª, 2ª ou 3ª. Não podemos ter ordens profissionais que se possam classificar em função da sua antiguidade, do nº dos seus profissionais e sobretudo da relevância das respetivas atividades. Todas as profissões são relevantes e dignas. Nenhuma é mais que as outras.

Este modelo regulatório a implementar, contaria concerteza com as atuais ordens profissionais, mas também com uma arquitetura regulatória eficiente para outras profissões que implicam requisitos específicos e códigos deontológicos próprios para o seu exercício em nome do interesse público. Sim, do Interesse Público, algo que não deve nunca ser esquecido ou preterido por preconceitos ideológicos ou corporativos.

As   tentações de não criar nem mais uma ordem profissional, nem que tal se justifique, a de pretender extinguir ordens profissionais sem razões atendíveis por lei, ou a tentação do descalabro, a de extinguir as ordens no seu todo e com isso mergulhar as profissões no caos total, afetando centenas de milhar de profissionais, tentações do abismo, da destruição, do caos. Da Des(Ordem).

Recorde-se que a última alteração legislativa relevante e transversal foi implementada em janeiro de 2013, na sequência da intervenção da Troika no nosso país, obedecendo a uma lógica de tornar o mercado nacional mais competitivo através de um mais fácil acesso ao exercício de determinadas profissões reguladas, excluindo as ordens profissionais de interferência nas relações económicas dos seus membros e de qualquer tipo de atividade sindical, só foi concluída na necessária adaptação dos estatutos de cada uma das ordens, por solicitação pública das mesmas em Carta Aberta. Paradigmático.

É tempo de ir mais além, de mais ambição e de se trabalhar num Estatuto transversal do Profissional Liberal e Trabalhador Independente. Precisamente para colmatar a incapacidade atual dos profissionais autónomos e independentes, membros ou não de ordens profissionais, poderem defender e ver representados os seus interesses sindicais, económicos e comerciais.

Ora é precisamente nestas vertentes que a Associação Nacional dos Profissionais Liberais (ANPL), se encontra particularmente focada.

O atual panorama de evolução das diferentes profissões liberais hoje, muitas mais que no passado e com tendência a aumentar ganhando uma projeção crescente, decorrente da evolução das economias nacional, europeia e global, exige novas formas de representação e concertação social com caráter inovador para além da regulação do Estado e da auto-regulação, tradicionalmente exercida pelas ordens profissionais.

A ANPL, assume-se em defesa dos profissionais liberais e trabalhadores independentes penalizados em termos fiscais e de proteção social. Dos que assumem riscos, dos que veem a sua autonomia técnica e deontológica diariamente colocadas em causa. Dos que não podem ser vítimas de acidentes de trabalho ou ficar doentes, dos que não têm acesso à proteção na paternidade, nem podem ficar desempegados. Dos que têm de assumir os custos integrais da sua qualificação e formação contínua.