Foram 20 000 no Porto, segundo os organizadores. Era de facto muita gente, tal como já tinha sido em Lisboa. Mas a manifestação de agentes da PSP e da GNR não foi a única da semana. Houve também os agricultores, a cortar estradas com tractores, como no resto da UE. Há uns tempos, tínhamos tido os professores nas ruas, em massas igualmente impressionantes.
À primeira vista, tudo parece ser questão de rendimentos. Os agentes da PSP e da GNR exigem o mesmo suplemento remuneratório atribuído à PJ. Os professores reclamavam tempo de serviço. Os agricultores reagem aos cortes de subsídios e aos constrangimentos decididos pela UE.
Mas quando os manifestantes são ouvidos ou escrevem nas redes sociais, percebemos que o rendimento não é a única queixa. Há as “condições de trabalho” (por exemplo, esquadras de polícia degradadas). Há, acima de tudo, a prepotência e o menosprezo de que se sentem alvo, como os agricultores, submetidos a uma burocracia que decide o que podem ou não produzir. O que temos aqui são “classes” que sentem que os poderes estabelecidos os estão a rebaixar. Daí a t-shirt dos polícias: “abandonados”.
A propósito dos polícias, poderíamos falar da imensa fraude que foram os oito anos de governo do PS, com o apoio de comunistas e neo-comunistas: as expectativas sopradas, para serem depois desfeitas pela austeridade disfarçada que, num país onde as políticas socialistas limitam a economia, mantém as “contas certas”. Mas sob a “geringonça”, aconteceu também outra coisa: a importação da cultura da esquerda dos EUA. Podem chamar-lhe wokismo ou outro nome. Não nos digam, por favor, é que não existe: existe. Infiltrou os poderes estabelecidos, e polícias e agricultores sofrem com isso. A polícia começou a ser tratada como a última sede de preconceitos e de brutalidades ancestrais, quase como o principal factor de insegurança na sociedade. Os agricultores tornaram-se malfeitores que impedem as cidades de estarem rodeadas apenas, a bem do clima, de parques naturais, terras virgens e animais selvagens.
Polícias e agricultores já tiveram outro estatuto. Os polícias representavam a autoridade do Estado, o princípio da ordem pública e da segurança dos cidadãos. Agora, percebem que esse Estado, que os emprega, é dirigido por gente que desconfia deles, e que talvez preferisse ver a ordem pública assentar simplesmente na vigilância de associações de “activistas”. Os agricultores foram, em tempos, tratados como os pilares da sociedade: produtores de alimentos, mas também curadores do território nacional. Agora, percebem que são uma pegada mal vinda numa paisagem que se quer puramente natural.
A perda de rendimentos, que polícias e agricultores lamentam, também vem desta desvalorização. Desempenham funções que os poderes estabelecidos, não as podendo suprimir, tentam subcontratar no exterior. A UE já entregou a polícia das suas fronteiras externas à Turquia e às milícias líbias, e para alimentar a Europa, parece apostar em importações de países onde não existem os constrangimentos “climáticos” impostos aos produtores europeus. Eis como a UE espera ser um admirável mundo novo sem cassetetes nem tractores.
Percebe-se a dimensão do que há para fazer. É preciso dinamizar a economia para aumentar rendimentos. É preciso mudar a cultura, para dar aos “abandonados” o reconhecimento que merecem. Mas é preciso, acima de tudo, defender a liberdade de expressão e rectificar os termos do debate, contra as limitações e confusões que os poderes estabelecidos geram, ao tratar qualquer discordância como “extremismo”. É por aqui, aliás, que tem de se começar.