Há dias, o país foi convidado a comparar o encerramento do congresso do PS e a cerimónia de lançamento da nova AD. Deixemos de lado a coreografia e o profissionalismo, embora não sejam irrelevantes. Tratemos apenas do que foi dito. Os oradores da nova AD, apesar de discursos desnecessariamente caóticos, descreveram bem o estado do país. 28 anos de poder socialista puseram Portugal a divergir dos países da coesão na UE. A Polónia ou a Roménia provaram que o mercado europeu pode ser uma via de crescimento económico. O estatismo e a canga fiscal do PS impediram os portugueses de agarrar a oportunidade. Daí, o resto: a emigração de jovens diplomados ou o colapso dos serviços públicos.

Os oradores da AD disseram tudo isso, e por vezes bem. Não tiraram, porém, as devidas conclusões. Quem as tirou foi o poder socialista, que pôs o seu novo líder a ler um discurso onde, em vez de defender o passado, fugiu para o futuro. O PS, ao contrário da nova AD, percebeu esta coisa: o país sente o impasse em que está, e quer outra coisa. Está pronto para ser desafiado. Não se vai deixar tolher por velhos receios e preconceitos.

Dir-me-ão: a nova AD ainda tem de apresentar o seu programa, nessa altura também dará conta da sua visão do futuro. Sim, claro, mas ninguém tem uma segunda oportunidade de causar uma boa primeira impressão. O pior, no entanto, nem é isso: é o que está por detrás. Os dirigentes da nova AD parecem convencidos de que o país deseja apenas um PS mais competente, e que eles só poderão vencer as eleições se provarem ser esse PS: as ideias com que até agora tentaram entusiasmar os portugueses resumiram-se, assim, a uma promessa de aumentar pensões.

É curioso: os dirigentes da nova AD falam do fracasso do PS, mas no fundo parecem acreditar que o PS teve sucesso no que importa: conquistar e manter o poder. Por isso, estão tentados a imitar o PS, tratando o país como um aglomerado de reformados egoístas, que votarão em quem lhes engrossar as pensões, ou de antifascistas histéricos, para quem o único problema do mundo é André Ventura. Daí o foco nos pensionistas, e daí a aceitação da tese esquerdista de que a fronteira da democracia passa por dentro da direita parlamentar, mesmo que isso limite a possibilidade de a AD dar ao país um governo alternativo ao PS.

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Na inauguração da nova AD, o desespero de ser aceite como a equipa B do PS fez até levantar o cadáver dos “acordos de regime”. Donde vem esta cultura de rendição? Os partidos da nova AD não tiveram uma vida fácil nos últimos anos. Perderam duas eleições que não esperavam perder, e desbarataram o monopólio que tinham à direita. Esses traumatismos parecem agora impedi-los de imaginar que o país possa querer ir além de aumentos de pensões ou de rábulas esquerdistas.

Pelo contrário, o novo dirigente do PS invocou repetidamente a “comunidade nacional” e a “cadeia de gerações”, e prometeu até uma “transformação estrutural da economia”. Ninguém mais do que o poder socialista enfraqueceu a comunidade nacional, rompeu a cadeia de gerações, e bloqueou qualquer transformação estrutural. Mas foi o novo dirigente do PS e não os novos dirigentes da AD a interpelar o país desta maneira. A nova AD tentou imitar o que o PS tem sido, e deixou o PS ocupar a posição de onde a AD deveria ter partido.

Ninguém ganha eleições cheio de medo. Os dirigentes da nova AD precisam de romper o círculo em que se deixaram fechar pelo poder socialista. Não, não podem partir do princípio de que o país já não aspira a nada. Não, não podem aceitar que a direita, ao contrário da esquerda, tem problemas com a democracia, e assim pôr em dúvida a sua legitimidade e capacidade para governar, mesmo em maioria. Já não estamos no princípio, mas ainda não estamos no fim. Talvez haja tempo para ir por outro caminho.